Por George Barcat
"O Coração tem razões que a própria Razão desconhece".
- Blaise Pascal (filósofo francês, 1623-1662)
Os critérios integrados de governança ambiental, social e corporativa (ESG) se tornaram alvo de críticas pertinentes e de ataques hostis. Os argumentos mais frequentes de tais objeções são:
- Conceito: argumenta-se que a sigla ESG está tão “politizada” que deixou de comunicar com clareza seus objetivos originais e se tornou muito vaga ou até sem sentido.
Um grupo (e seus subgrupos) vê o cumprimento dos critérios ESG como essencial para o futuro das empresas, sociedades, pessoas e planeta.
– Outro grupo (e seus subgrupos), vê o ESG como sendo uma moda que não tem bases reais (por exemplo, há quem conteste o fenômeno das mudanças climáticas) e, sendo assim, além de não terá impactos significativos duradouros, faz as empresas se desviarem de sua real finalidade e, por conta disso, terem resultados (lucro) menores. Aqui estão os seguidores de Milton Friedman (ver artigo publicado em 13/09/1970: A responsabilidade social da empresa é aumentar seus lucros).
- Implantação: os critérios sociais e ambientais são muito desafiadores e atendê-los está além da capacidade das empresas enfrentá-los, em outros termos, é extremamente difícil equilibrar numa única estratégia e planejamento as diretrizes, as metas e as práticas ambientais, sociais e de governança corporativa.
- Eficácia: será que a adoção das métricas e critérios ESG, de fato, produz melhorias significativas nos impactos ou mais uma forma de as empresas melhorarem sua imagem sem, realmente, fazer mudanças substanciais em suas operações, produtos e serviços? Como medir com precisão
tais impactos?
- Impacto Financeiro: será que os investimentos baseados em ESG oferecem um retorno financeiro maior no médio e no longo prazos? É possível medir e avaliar objetivamente se uma boa performance do ESG aumenta a performance financeira?
- Greenwashing (“lavagem ou maquiagem verde”): consiste em mentir, omitir ou distorcer as informações contidas nos relatórios sobre os impactos ambientais positivos ou negativos das operações da empresa.
Esse artigo não analisa uma a uma estas críticas e ataques. Porém, ao sugerir um motivo-matriz como sendo a origem de muitas delas (todas?), ele analisa “no atacado” tais objeções.
Antes de abordar o motivo-matriz para responder à pergunta do título, preciso fazer algumas considerações sobre como fazemos escolhas e tomamos decisões – vale lembrar que os critérios ESG são, justamente, usados na construção de métricas que servem para orientar os processos decisórios e as escolhas das organizações, daí a necessidade dessas considerações.
Para realizar essas duas ações usamos, é claro, as muitas faculdades da mente: imaginação, razão, percepção, emoção, consciência...
Focaremos a razão, pois cabe a ela a tarefa de definir o que importa e, portanto, o que deve ser priorizado. Vamos lá.
Desde o século IV a.C. afirma-se que o ser humano é um animal racional (faz escolhas e toma decisões objetivas, prudentes, privilegia o longo prazo...).
Contudo, recentes achados das neurociências, das ciências comportamentais colocaram tal afirmação “sob suspeita” – já não podemos estar convictos de somos criaturas plenamente racionais pois a razão é bastante influenciada pelos motivos que temos para fazer ou deixar de escolher ou fazer algo.
As pesquisas nessas áreas demonstram que a racionalidade é influenciada por diversos fatores que podem ser agrupados em duas categorias:
- Fatores objetivos: quantidade de informações que podemos processar, qualidade das informações disponíveis, o tempo disponível para tomar decisões, complexidade dos problemas...
- Fatores subjetivos: emoções, vieses cognitivos, experiências pessoais, contexto social, situação de vida, desejos... e, claro, o interesse próprio.
Dominados por essas influências recorremos a atalhos mentais que frequentemente levam a escolhas e decisões subótimas (que não são as melhores possíveis), irracionais (comandadas por emoções, desejos) ou interesseiras – mesmo que as decisões nos pareçam racionais à primeira vista.
São incontáveis as vezes em que – individual ou coletivamente – agimos de forma interesseira para obter dinheiro, conforto, fama, prazer, vingança, confirmação de crenças, realização de desejos... Eis aí algumas das razões do coração que a razão desconhece.
As novas perspectivas sobre a racionalidade humana nos fazem compreender que as pessoas só se conhecem (e conhecem umas às outras) aos poucos, à medida que se revelam os motivos particulares que as levaram a agir de um jeito e não de outro. Além disso, o autoconhecimento e o conhecimento de outras pessoas são sempre inacabados e imperfeitos. Saber que somos assim é bom, pois nos ajuda a ser mais tolerantes e compassivos.
Enfim, escolhas e decisões racionais são difíceis; precisamos lidar com tudo o que há de irracional em nossa mente (desejos, emoções, sentimentos...) e bem sabemos o quanto as nossas capacidades de autosupervisão e autodomínio são limitadas. É um pouco como procurar ouro numa sala completamente escura; mesmo que tenhamos nas mãos um objeto metálico, como saber se é ouro?
Fiz essas brevíssimas considerações sobre a psicologia humana para justificar, ainda que de forma incompleta, um ponto de vista sobre as motivações que provocam ataques e críticas ao ESG.
- O ponto de vista é o seguinte:
Os ataques hostis ao ESG nascem de objetores que privilegiam a busca de lucro financeiro recorrente e crescente. Obviamente, tal motivação tem viés interesseiro e leva a razão dos objetores a formular argumentos e explicações que justificam as ações e escolhas que seus corações desejam ver materializadas. Esse é o motivo-matriz que mencionei acima como sendo a origem de muitas objeções – ele é perigoso porque sabe implantar pelos em ovos.
- Por isso, creio que é necessário deixar em segundo ou terceiro planos as objeções hostis ao ESG e manter em primeiro plano a firme a paciência e a perseverança necessárias para encontrarmos meios de realizar os fins do ESG.
- Em suma: os que acreditam que ainda é possível cuidar do bem comum e resolver as ameaças que as pessoas, nossas sociedades e nosso planeta enfrentam não podem se deixar distrair pela fumaça tóxica que os objetores hostis espalham no ar. Para tanto, temos que “gerenciar nossos próprios motivos” e usar a racionalidade para enfrentar o motivo-matriz.