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"São Paulo é uma máquina de geração de tempo perdido", afirma professora da USP

Entenda quais são os desafios para implementação de novos caminhos na capital paulista.

Por Natalia Gonçalves

"São Paulo é uma máquina de geração de tempo perdido", afirma professora da USP

Foto: Canva.com/ Paulo Pampolin


Desde 1977, a professora e doutora Andreina Nigriello estuda o tema de mobilidade urbana. Após 44 anos na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), ela lançou um livro sobre as expansões tanto do sistema viário quanto do sistema de transporte de linhas da capital paulista. A obra “O desenho de São Paulo por seus caminhos” foi publicada pela editora KPMO Cultura e Arte em parceria com a Cultura Acadêmica, selo da Fundação Editora da Unesp. Em entrevista exclusiva à InfraFM, Nigriello fala sobre importância da discussão sobre mobilidade na capital paulista e desafios para mudanças. ​

Quais são os desafios para a implementação de novos caminhos em São Paulo?
Então, eu vou lembrar dos poucos recursos públicos que têm sido disponibilizados para o crescimento da rede estrutural de transporte. Quando eu falo isso, eu falo da rede de linhas de trem e de metrô, que são redes de linhas que têm maior capacidade para transportar a nossa população. Você sabe que eram 42 milhões de viagens por dia que, na pesquisa Origem e Destino de 2017, aconteciam em São Paulo. Dessas viagens, 15,3 milhões, portanto, 36,4% são realizados pelo transporte coletivo.

Com um volume tão grande de pessoas tomando condução todo dia, principalmente, para trabalhar, a gente precisa de linhas de trem e de metrô, né? O ônibus não dá conta. Então, infelizmente, o Estado não tem recursos ou não coloca, não tem a opção de colocar recursos públicos para o crescimento dessa rede. Embora ele tenha recursos, sim, para investir no crescimento do sistema viário, do sistema rodoviário, a fazer pontes, fazer túneis, mas não para fazer metrô.

Na página 199 do livro, tem um rodapé que fala sobre como esses poucos recursos públicos têm a ver com a expatriação sistemática de parte do excedente produzido no Brasil, que deixa, assim, de ser incorporado a reprodução ampliada das condições de produção. Ou seja, os grandes retornos de capital, do processo de produção que é feito aqui no Brasil, não fica aqui no Brasil, ele é mandado para fora. Em outros países, ele é reincorporado e cresce, o país cresce. No nosso caso, não.


Por que é importante falar sobre mobilidade? 
Porque se a gente tiver uma rede de transporte bem desenvolvida, a gente vai evitar que esses milhões de pessoas façam todos os dias viagens muito mais longas do que precisariam ser feitas.

A estrutura da nossa rede de transporte público, ela é radioconcêntrica, sabe? Tudo vai para o centro. Hoje em dia, nós temos um espaço construído fora do centro expandido, ou seja, fora dos limites do Rio Tietê e do Rio Pinheiros. Além disso, temos polos e a população mora e trabalha nessa área externa do centro expandido, mas não tem linhas que a levem para os polos da periferia. Assim, as viagens são feitas com um desenho feito em triângulo: elas vão da periferia para o centro, para depois do centro ir para outro lugar da periferia - por isso que essas viagens demoram tanto. 

A gente não tem linhas perimetrais de transporte. A gente não tem linhas de metrô, por exemplo, que vão de Guarulhos para o ABC, ou de Guarulhos para a Casa Verde, ou entre a Casa Verde e Osasco. E se a gente tiver essas linhas, o que vai acontecer? Nós vamos demorar menos tempo para viajar e teremos um valor do tempo maior. Nosso tempo vai valer mais, não vai valer pouco.

Desta forma, vai sobrar tempo para a gente estudar, comprar, ir ao médico - para a gente se cuidar. Portanto, nós vamos ter uma melhor qualidade de vida. Uma maior qualidade de vida, neste sentido, é o primeiro passo para ter uma melhor produtividade.

No livro, a senhora descreve São Paulo como uma máquina de tempo perdido. Por quê? 
Então, desses 15,3 milhões de pessoas que viajam por transporte coletivo, 93,5%, ou seja, 14,3 milhões são de uma população que tem renda de até oito salários-mínimos. Isso, em abril de 2018, correspondia a R$ 7.632 - um salário-mínimo naquela época era R$ 954. Esses são os dados daquele momento que foi feita a pesquisa.

Bom, você tem 14,3 milhões de pessoas que usam o transporte coletivo e essa população demora até 126 minutos para fazer seus deslocamentos. Como é que a gente pode se desenvolver se a nossa maior parte da população, pelo menos 14,3 milhões de pessoas, que viajam todo dia, acabam gastando tanto tempo para se deslocar? É uma trava no nosso desenvolvimento. Por isso, eu falo que São Paulo é uma máquina de produção de tempo perdido.

Por qual motivo a pauta de mobilidade, na sua opinião, não é discutida com mais frequência a partir da raiz do problema? 
O planejamento de transporte não envolve a população na discussão. Nós temos as decisões tomadas isoladamente pelas empresas que cuidam do setor do transporte. Então, cada empresa tem o seu espaço de planejamento, mas a gente não tem uma integração do planejamento nos diversos níveis. Afinal, são os usuários que sabem o tipo de transporte que é necessário, mas, infelizmente, essas decisões são isoladas e elas dão muito poder a quem está dirigindo essas empresas, mas não é uma discussão aberta ou pública.


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