Por Mateus Murozaki
Foto: Canva.com/VitalyVlasov |
Segundo o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus da União Europeia, o mês de outubro de 2023 foi o mais quente da história, superando por 0,4 graus Celsius o detentor anterior do recorde, outubro de 2019. Isso é apenas mais uma das marcas registradas neste ano. Ainda de acordo com a Copernicus, cada mês desde junho registrou as temperaturas mais altas de seus respectivos períodos. Araçuaí, município mineiro, atingiu a temperatura de 44,8 ºC em 19 de novembro, tornando-se assim o dia mais quente na história das medições do Brasil.
Muito se fala sobre sustentabilidade, mas ocorrências como essas levantam a questão se há, de fato, compreensão da importância de se viver de maneira ambientalmente correta. Enquanto diversas empresas e organizações se esforçam para realizar trabalhos de conscientização, a velocidade dessas ações ainda é, de maneira geral, tímida.
Ricardo Vacaro, diretor geral da RL Higiene, comenta que há duas maneiras de ver a situação: “Eu posso dizer que o copo está meio cheio e meio vazio... olhando pelo lado meio cheio, as empresas estão se movimentando e têm colocado em seus planos, declarações de intenções e planejamentos cada vez mais ações relativas à sustentabilidade... o copo meio vazio é que é pouco, é lento, é insuficiente e, infelizmente, é um fato”.
Analisando o lado "copo cheio" citado por Vacaro, as empresas estão realmente passando a adotar cada vez mais medidas sustentáveis. De acordo com uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria feita com 1.004 executivos de empresas de pequeno, médio e grande porte, 89% delas já utilizam medidas para reduzir a geração de resíduos sólidos, 86% para otimizar o uso de energia e 83% para o uso de água.
Apesar disso, ainda existem uma série de empecilhos que impedem que essas ações se tornem efetivas como deveriam. Em uma entrevista à Folha de São Paulo, a vice-presidente global de automação industrial da Schneider Electric, Barbara Frei, comentou, por exemplo, a questão de que a modernização de redes elétricas é essencial para a otimização de energia, mas, infelizmente, há uma tendência de certos setores leves industriais a ignorar a questão.
“Eu acho que as empresas já deveriam ter entendido que o tema da sustentabilidade é transversal ao negócio... não é um departamento, um projeto social, etc... é um processo que deveria estar ligado a todos os processos do negócio”, afirma Vacaro quando questionado sobre como as empresas poderiam acelerar suas ações.
Em termos de exemplos, o profissional menciona como a contratação de pessoas que moram no entorno dos locais de trabalho mitiga a questão de deslocamento, fazendo com que menos recursos sejam gastos diariamente. É uma mentalidade não diretamente ligada à sustentabilidade como se percebe o termo no imaginário popular, mas que tem um impacto igualmente válido e que, de acordo com o diretor geral da RL, é transversal aos negócios da empresa.
Efeitos do ano mais quente da história
Nos termos do Acordo de Paris, assinado em 2015, cientistas estipularam que um aumento de 1,5ºC na temperatura média global seria o ponto sem retorno. 2023 atingiu 1,4ºC, o que é alarmante. Os efeitos disso foram sentidos: o aumento do nível do mar é recorde, enquanto o gelo marinho da Antártida atingiu um novo recorde de baixa, de acordo com Petteri Taalas, secretário-geral da OMM.
Em termos mais tangíveis, Vacaro comenta: “a produtividade foi lá para baixo, as empresas tiveram prejuízo, não só aquelas que encheram de água, mas restaurantes que ficaram sem luz, empresas que ficaram sem servidor por até uma semana... esse é só um trailer de muito mau gosto do filme de terror que está vindo aí”.
De acordo com um estudo da Global Carbon Project, as emissões de carbono provenientes de combustíveis fósseis aumentaram em 2023, atingindo níveis recordes de 36 bilhões de toneladas em 2023, 1,1% acima do valor registrado no ano anterior, mostrando uma ineficiência nas ações de redução de emissão.
O diretor da RL Higiene comenta que há uma intenção por parte das empresas de adotar um sistema mais sustentável, mas constantemente acabam encontrando dificuldades em justificar os investimentos para o board de acionistas, visto que o mindset ainda não mudou de maneira definitiva como deveria.
Ironicamente, ele também comenta como, hoje em dia, se fala muito sobre os bilhões de dólares necessários para mitigar a situação daqui a alguns anos, quando a pergunta correta deveria ser “como evitar que cheguemos no ponto em que a situação deve ser revertida”.
Ações a serem tomadas
Voltando a olhar o copo meio cheio, o cenário não é irreversível e, como já mencionado, as empresas estão de fato trabalhando para adotar medidas mais amigáveis ao meio ambiente. Novas formas de energia menos agressivas, por exemplo, estão ganhando cada vez mais espaço no Brasil.
Muitas empresas de menor porte acreditam que não existe uma diferença tão grande em agir de forma consciente, visto que o impacto é pequeno, mas isso é um pensamento de uma perspectiva contrária: agir sustentavelmente não deveria ser um esforço, e sim o padrão.
“O nosso impacto como negócio é muito baixo; nós somos uma empresa de distribuição. O maior impacto está para trás... a gente mobiliza os fornecedores e fala, olha, preciso que a forma como vocês produzem mude, que melhore, então é uma jornada que vem sendo construída há décadas, pelo menos duas, de maneira consciente”, comenta Vacaro.
Apesar de pesquisadores apontarem que 2024 deve atingir níveis ainda maiores de temperatura, há um otimismo de que cada vez mais empresas percebam de maneira mais incisiva que é necessário agir e agir rapidamente. As alternativas existem, estão sendo divulgadas e, com um esforço coletivo, é sim possível fazer acontecer um ano que não seja o novo “ano mais quente da história”.