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A saúde dos edifícios e do corpo devem ser tratadas da mesma forma, defende especialista

Maria Angelica Covelo Silva, consultora em engenharia civil, fala sobre norma ABNT NBR 17.170 e importância da cultura de manutenção.

Por Natalia Gonçalves

A saúde dos edifícios e do corpo devem ser tratadas da mesma forma, defende especialista

Foto: Canva.com/ stocklapse


O setor de construção civil tem como definição de garantia, desde 2002, o que consta no Código Civil. De acordo ao Art. 618, as construtoras devem responder durante o prazo de cinco anos, pela solidez e segurança do edifício, dos materiais e do solo. Contudo, para Maria Angelica Covelo Silva, o artigo é vago.

Além de especialista e consultora em engenharia civil, Maria Angelica foi responsável pela elaboração do texto base da ABNT NBR 17.170. A norma, publicada no ano passado e desenvolvida em 2022, apresenta diretrizes para incorporadoras, construtoras ou prestadores de serviço elaborarem as condições de garantia.

Segundo Silva, a falta de informação no Código Civil resultou em problemas para as construtoras. "Aquilo que está lá, que fala em relação à segurança das construções consideráveis, começasse a ser extrapolado para tudo o que diz respeito às edificações, sem levar em conta o que realmente afeta a segurança", afirma a especialista.

A saúde do prédio, como explica Maria Angelica, depende do uso. Da mesma forma que o ser humano precisa realizar consultas médicas e cuidar do corpo, um edifício precisa realizar manutenções constantes para "envelhecer com saúde". A norma ABNT NBR 17.170, neste sentido, estabelece a responsabilidade dos gestores de propriedade em seguir as orientações técnicas da garantia.

Na entrevista a seguir, concedida ao portal InfraFM, a especialista compartilha detalhes sobre a pesquisa realizada para elaboração da norma, insights sobre o mercado internacional e esclarece a diferença entre vida útil e garantia.


Durante a pesquisa e levantamento das normas de garantia em outros países, o que mais chamou atenção?

Maria Angelica Covelo Silva - As leis em outros países não são vagas como a nossa. Por exemplo, em países que nevam a cobertura deve resistir ao peso da neve, a garantia para estrutura, nesses casos, chega a 10 anos. Existe também a diferença de garantia para sistemas, como hidráulica e elétrica, e para aquilo que é acabamento, como pintura e revestimentos. Nesses países, as leis são muito mais precisas, não são vagas como a nossa - que é o que causou uma distorção.

Além disso, a maioria dos países desenvolvidos têm a figura da seguradora - pesquisei principalmente do Chile, Canadá, Estados Unidos, depois Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Alemanha até o Japão. A seguradora exige das construtoras uma demonstração de que elas atendem normas, de que elas fazem o que precisa ser feito para não ter risco de falhas. Depois que a construtora atende por um ano as reclamações, a seguradora passa a responder. Então, o seguro ajuda a disciplinar o mercado, pois existe uma fiscalização e ao mesmo tempo existe um valor fixo a ser pago pelas construtoras.


Então, a garantia por seguradora seria um modelo ideal?

Maria Angelica Covelo Silva - Seria e é o sonho de consumo das construtoras brasileiras, mas primeiro a gente tem uma dificuldade de ter esses mecanismos que dão a segurança para a seguradora. No Brasil, temos um setor enorme, são mais de 120 mil construtoras no país de diferentes estágios tecnológicos. Então, você tem uma construtora que tem segurança do que está fazendo, de que tem baixo índice de falhas, mas você tem o oposto também.

Para criar esse seguro, as seguradoras precisam de mecanismos que deem mais segurança para elas. No Brasil, por exemplo, temos muita não conformidade de normas: projeto que não segue norma, materiais de construção que estão no mercado sem atender norma - e isso tudo é um risco enorme. 


Em relação aos prédios corporativos, o que pode ser pensado em relação ao uso?

Maria Angelica Covelo Silva – Então, nos prédios corporativos a gente tem uma facilidade, porque, em geral, existe um maior rigor no controle do uso pela administradora desse prédio, com regras e fiscalização.  Nos prédios residenciais, ainda estamos começando a ter uma administração mais profissional, com síndicos profissionais, mas no geral, a administração é feita por um morador eleito, que, muitas vezes, não tem condições ou não consegue acompanhar tudo o que acontece dentro desses empreendimentos. Os riscos de falhas que ameaçam a segurança estrutural ou segurança contra incêndio é muito maior nos residenciais.

Leia também: Apesar do aumento de incêndios estruturais, medidas preventivas são negligenciadas


Quais aspectos devem ser considerados para que ocorra o envelhecimento saudável das edificações?

Maria Angelica Covelo Silva – Particularmente, defendo que da mesma forma como a gente cuida da nossa saúde, que a gente cuide da saúde dos edifícios. O Código Civil tem uma expressão sobre segurança e solidez, mas na engenharia não se define a segurança como solidez - uma coisa que ficou clara durante a elaboração da norma.  Por exemplo, prédios altos às vezes oscilam e todo mundo fica apavorado, mas aquilo é natural, porque ele é projetado para isso, mas alguém pode olhar e dizer: “ele não é sólido”. O prédio continua seguro mesmo que ele tenha uma oscilação.

A ideia do edifício sólido faz com que muitos pensem nele como algo que não precisa de cuidado, mas não é assim. O uso e a exposição às intempéries vão fazendo com que ele envelheça, por isso os gestores de propriedades teriam que ter a cultura de ter o “engenheiro de família” - da mesma forma que eu tenho um médico de família. Isto é, alguém que periodicamente faça uma inspeção preventiva, assim como você faz o seu check-up de saúde. Existem casos de empreendimentos e edifícios que tiveram problemas sérios, porque ao longo dos anos algo foi negligenciado e se tornou uma coisa grave.


Qual é a importância de esclarecer a diferença entre vida útil e garantia?

Maria Angelica Covelo Silva - Existe uma confusão grande. A garantia é um prazo que tem um horizonte bem pequeno, porque é o prazo em que o fabricante pode se responsabilizar, digamos assim, por falhas que aconteceram decorrentes do processo de produção e que se manifestam dentro de um horizonte X de tempo. A partir do momento que a edificação entra em uso, começa a entrar em jogo a ação do usuário, então pode ser que eu tenha uma falha que seja decorrente do uso ou da falta de manutenção. 

Nas minhas pesquisas, fui olhar até mesmo como a Ferrari faz. Ela dá garantia também no horizonte de tempo de três anos, a partir daí você tem planos de manutenção que se contrata e se paga por isso. Afinal, ela não pode assumir por 20 anos, tendo aquele usuário superesportivo, que acelera e sai passando em cima das valetas de São Paulo, por exemplo, e destrói o carro. Mesmo uma Ferrari não assume um prazo enorme, pois a garantia é uma coisa limitada no tempo, porque é um tempo pelo qual o fabricante pode se responsabilizar. 

A vida útil é aquilo que depende do que a gente escolheu como os materiais, o projeto, as decisões de engenharia - tudo isso é chamado de vida útil de projeto. Outro dia eu queria um reloginho de mesa bem simples, só para ficar uma coisa visível para mim. Comprei um reloginho bem barato, deu um mês e ele morreu. A vida útil dele era de um mês, pois a vida útil de projeto dele é baixíssima. Da mesma forma, eu poderia ser capaz de fazer um prédio onde uso tudo baratinho, tudo sem atender norma, sem nada, ele vai ter uma vida útil curta. Ou seja, aquilo que o produtor tem que tomar todas as medidas é uma expectativa de vida, mas a vida útil real vai depender também do uso.

Se olharmos as edificações muito antigas, elas têm uma vida útil muito grande, mas elas passam, até mesmo as turísticas, por manutenção o tempo todo. Infelizmente, não temos uma cultura de manutenção. Eu tenho vontade de ir até o meu prédio vizinho e falar para eles: “olha, se não fizerem uma manutenção nessa fachada é perigoso”. Há anos eles não pintam a fachada, pois não entendem que a pintura não pode ficar no estado que está. Com pequenas fissuras, a umidade pode comprometer a fachada de fato. Então, acho que a gente precisa ter mais cultura de manutenção.


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