Por Ana Paula Rocha
E lá se vão um pouco mais de 30 anos de vida profissional, sem contar os primeiros estágios. Comecei a trabalhar como estagiária aos 19 anos e, de lá para cá, percebi que conseguir trabalhar na área, em um país com grupos de reengenharia, poucos investimentos e alta inflação, seria um desafio daqueles. Projetos... havia poucos, assim como os empregos formais. A maioria dos arquitetos na década de 90 trabalhava como autônomos.
Comecei no Grupo Abril fazendo projetos de layout, sem grandes pretensões, mas absorvendo e fazendo de tudo muito. Depois de três anos, participei do primeiro movimento de change management da minha carreira. A Abril tinha mais de 20 endereços espalhados por São Paulo e iria unificar seu grupo de revistas e negócios no emblemático Birman 21, na Marginal Pinheiros em São Paulo.
Da época, tenho lembranças muito vívidas: a reunião no 13º andar do edifício, ainda em obras, o grupo de executivos da empresa e o discurso do finado presidente Roberto Civita. Para o grupo, foi uma enorme mudança e para mim caia a primeira ficha, a da responsabilidade da entrega.
O B21 tinha quase 70 mil m² e eu fiquei de fazer o aceite de toda a obra. Folhas de relatórios com vários itens checados, até que a primeira mudança física foi marcada. Foram meses de trabalho e pelo menos uma centena de caminhões da Granero. A área de planejamento de espaço da Abril também ficou responsável pelo projeto e implantação da Presidência.
Nesse momento, a minha segunda ficha caiu: na nossa área tratamos com todos, desde o grupo de profissionais mais operacionais até o C-level. Lembro-me de algumas reuniões com os Civita, mas ao mesmo tempo, me recordo de tratar com grupos de numerosos carregadores e eletricistas, ali eu tinha que aprender a modular e ser firme com aqueles que duvidavam da capacidade feminina em entender e trazer soluções.
A carreira sempre correu em paralelo com a família. Duas gravidezes que participaram de mudanças profissionais, especializações e muitas horas de trabalho dobrado, mas que valeram muito a pena. Hoje as crianças, risos... já são grandes, mas ainda recordo de levar minha filha com febre no final de semana da entrega da presidência.
Aprendi a trabalhar em Facilities nos galpões da TVA e da operação de distribuição da Abril. Em 2005, após um período extenso de chuvas, em São Paulo, a área do Ceagesp ficou debaixo de água e da mesma forma, os prédios das duas operações. Foram 4 dias de trabalho árduo e em condições muito degradadas.
Ali, caiu a minha terceira ficha, que carrego comigo até hoje. A nossa área é a mais solicitada em momentos de emergência. É a que pode evitar o pior, a que orienta e a que conserta para garantir a operação. Quando toda a operação funciona, o nosso trabalho é silencioso, mas na crise, ele é vital. No momento de algum sinistro, o grupo de profissionais que compõe nossa área, não importa o cargo ou atribuição, se une com o único propósito de manter e garantir o funcionamento do negócio.
Vivenciar o papel do outro lado da mesa faz diferença para entender o ponto de vista do tomador de serviço. Passei cerca de um ano trabalhando na A|W como gerente de engenharia, um contrassenso para alguns que são formados em arquitetura como eu, mas para mim foi uma experiência imersiva que fez minha carreira saltar. Gerenciei muitas obras simultâneamente, assim como lidei com profissionais altamente qualificados e processos muito bem desenhados.
Desde 2014, trabalho como gerente de Facilities na PwC e muito do que aprendi colabora para o meu desempenho, mas a aquisição de conhecimento está sendo gigante. O depositório só aumenta e a quarta ficha que compartilho é que apesar de muitos anos de experiência, devemos buscar constantemente conhecimento para que entreguemos cada vez melhor.
Dos últimos 10 anos, pinço os da pandemia que foram inigualáveis. Foi necessário assimilar a nova forma de gestão e motivação da equipe à distância, assim como realizar longas jornadas e networking para estudar novos formatos de trabalho presencial garantindo a biossegurança.
Durante esse mesmo período, enquanto eu fazia cursos de especialização e estudava, a empresa estava definindo uma nova estratégia, que incluía a mudança do endereço da sua matriz. Saiu na frente, era uma tomada de decisão audaciosa e uma aposta firme no novo modelo de trabalho.
Nos últimos 6 meses de 2021, foram devolvidos aos seus proprietários 20 mil m² de edifícios e cerca de 6 mil m² de novos escritórios foram entregues para as operações da PwC considerando como premissa de projeto o formato híbrido de trabalho. Além dos projetos de autoria da A|W, implementamos serviços com características digitais e com processos mais simplificados comparados aos anteriores. A equipe e a liderança da área trabalharam presencialmente durante quase toda a pandemia para a entrega das obras e imóveis.
Lembrem-se das fichas que caíram durante toda a sua jornada profissional. A consciência sobre situações de emergência, assim como o nosso papel mediante crises, prepara os profissionais da área para que sempre busquem mitigar riscos, garantindo a operacionalidade e agregando valor ao negócio.
E assim foi, várias máscaras, membros da equipe doentes, muita resiliência e cuidado com o time. A maturidade pode ser adquirida de algumas formas, inclusive com o tempo, e proporciona a paciência e a inquietude nas doses certas para conquistar ótimos resultados. Ano passado, continuamos levando as características dos escritórios de São Paulo e Barueri para as filiais do interior e do Rio de Janeiro que geraram mais obras, novos padrões de serviços e projetos disruptivos. Trabalhos possíveis de serem implantados com a dedicação e excelência de uma equipe e liderança fantásticas.
Finalizo aqui com a quinta ficha. Não basta ser bom tecnicamente, é importante que saibamos lidar com pessoas. O resultado alcançado não é somente seu, mas também do seu time. Vejam que o segredo da longevidade em nossa profissão é voltar ao começo, experimentando sempre como se fosse a primeira vez, respaldados com a experiência e algumas fichas já acumuladas: a responsabilidade, a flexibilidade, o senso de urgência, a necessidade da atualização e a capacidade de liderar pessoas. Acrescento que a relevância da nossa trajetória profissional dependerá não somente do aprendizado e reconhecimento adquiridos, mas principalmente da condição genuína de gostar do que se faz. Com certeza, minimamente essa condição contribuirá com dias mais leves, mesmo que sejamos solvers de muitos problemas.