Por Natalia Gonçalves
Antes de falar sobre cidades inteligentes, Robson Quinello questiona em sala de aula: inteligente para quem? Ao debater sobre o conceito com os alunos no contexto brasileiro, o especialista comenta sobre como é possível notar disparidades regionais. “Na minha opinião, cidade inteligente tem mais a ver com acesso, inclusão e democracia do que com tecnologia, geralmente a parte mais glamourizada do conceito. Isto dito, a tecnologia é coadjuvante nesse processo”, afirma Quinello.
Quinello começou na área de Facility Management (FM) com apenas 14 anos, quando trabalhou como jovem aprendiz de manutenção industrial. Nos últimos 35 anos, ele passou pelas áreas de engenharia de construções, arquitetura e Real Estate, e há 20 anos ministra aulas de pós-graduação na MBA – Gestão de Facilities e Manutenção de Ativos atualmente no Senai São Paulo.
Cidadania plena como protagonista
Apesar de ser considerada uma das cidades mais inteligentes do Brasil, São Paulo apresenta diversos problemas de infraestrutura. A capital paulistana é um ótimo exemplo, segundo Robson, de um contrassenso da revolução digital. Enquanto em 2012, a criação do portal 156 em São Paulo foi um avanço para o debate sobre cidades inteligentes, a mesma cidade não é “caminhável”.
“Basta andarmos alguns metros fora das nossas casas ou empresas para compreendermos o drama: São Paulo não é, sob o ponto de vista de infraestrutura, feita para pedestres e sim para carros, uma contradição!”, ressalta Quinello. Um estudo sobre a cidade de São Paulo através do portal 156, orientado pelo especialista, foi premiado pela ABRAFAC em dezembro do ano passado. A pesquisa, realizada com Graziela Boni, evidencia o conceito de Urban Facilities Management.
“Esse portal, com mais de 10 anos, apesar de falhas inclusive apontadas no próprio canal, é o primeiro passo para falarmos de cidades inteligentes. São com dados em tempo real, de problemas concretos, que avançamos nas ações em busca de uma cidade mais democrática. A questão é que não temos planejamento a longo prazo para as ações, portanto os problemas tendem a se agravarem”, aponta Robson.
Ainda, o conceito de Urban Facilities Management, abordado no estudo, se resume no destaque para o olhar “para fora”, para além das fronteiras ou paredes das empresas. “Isso é um desafio porque alguns profissionais indagam que já têm muitos problemas internos para resolverem”, comenta o especialista.
O ponto de ônibus também faz parte de Workplace
Robson descreve as aulas da pós-graduação como laboratórios vivos em FM. Durante as aulas, por exemplo, ele costuma questionar de quem é a responsabilidade pela manutenção, limpeza e conservação das calçadas. “Curiosamente, poucos sabem que essa é uma responsabilidade, por lei, do proprietário do imóvel”, destaca.
Outro exercício proposto para os profissionais de Facility Management é caminhar pela área perimetral das empresas, com uma condição extra de andar até os pontos de transporte dos funcionários: “Como esse trajeto está, sob o ponto de vista de infraestrutura? Essa é uma abordagem que, inclusive, vai ao encontro de outra subárea de FM que é o “Workplace”’.
Atualmente, Quinello enfatiza que os gestores de FM não devem apenas saber sobre as empresas onde trabalham, mas, sim, sobre os locais onde operam, como as ruas, os bairros, os distritos e as cidades. Afinal, isso define muito o Workplace dos colaboradores, “lembrando que a experiência da jornada laboral parte da casa do colaborador até sua empresa e vice-versa”, adiciona. O último passo, neste sentido, seria identificar nas áreas perimetrais o que pode ser feito e colocar no orçamento de FM.
“Se você já realiza essa atividade, ótimo, que tal partir para melhorias no bairro, buscando programas de parceria com as prefeituras? Se algo está fora de seu escopo, por que não endereçar, via portal, essa necessidade?”, questiona Robson. Esse novo olhar, para o especialista, atende inclusive a agenda do Environmental, Social & Governance (ESG).
Uma mudança de visão com Urban Facilities Management
Como gestores de Facility Management podem compartilhar as responsabilidades da cidade? Para o especialista a resposta passa pelo resgate do sentimento de cidadania. “Isto é, que somos parte e proprietários dos espaços e equipamentos públicos. Esse resgate se faz necessário num momento em que as sociedades têm ‘terceirizado’ boa parte dessas responsabilidades”, observa Quinello.
Desta forma, a mudança de perspectiva para o “olhar o para fora” é o cerne da questão. A partir do momento que o profissional compreende que um espaço, sendo esse um prédio ou parque, faz parte do todo e que as infraestruturas privadas e públicas estão interligadas, impactando umas às outras, isso pode facilitar a transição das corporações para a agenda ESG.
Para o especialista, entender o conceito de “cidades inteligentes” para além das tecnologias é importante para os profissionais de FM, pois representa uma ponte, que une a sustentabilidade com uma abordagem mais centrada no usuário e na comunidade. “Adaptar-se a essas mudanças é fundamental para o sucesso e a relevância desses profissionais no ambiente urbano em constante evolução”, diz.
Alguns projetos do setor público têm relação indireta com FM, como a discussão das câmeras de vigilância e a lei de zoneamento. O primeiro relacionado com a segurança patrimonial e o segundo, com Real Estate, ambas subáreas de FM. “Temos que acessá-los (dados e projetos), caso existam, e participarmos dessas decisões que, em última instância, afetam nossas operações”, aconselha Robson.