Por: Léa Lobo
As tendências e oportunidades sobre o ecossistema de gerenciamento de facilidades no Brasil são temas que sempre precisam estar na pauta, bem como pontuar em qual nível está o seu amadurecimento e o quanto do nosso mercado ainda precisa caminhar para integrar oportunidades no contexto do IFM – Integrated Facility Management.
Para falar sobre esta temática, a InfraFM fez uma entrevista exclusiva com Washington Botelho, que é CEO da área de Work Dynamics da JLL para a América Latina, que é focada na prestação de serviços imobiliários e em gestão de investimentos. Botelho teve uma carreira de mais de 22 anos na Xerox, foi Presidente da Adecco, responsável por toda a América Latina e Presidente da ISS Facility Services Brazil e está há mais de oito anos na JLL. O estudioso executivo, além de dedicado esposo, possui um exemplar currículo educacional e profissional, com grande experiência cultural, bem como habilidades em processos de turnaround e implementação de modelos de negócios nas empresas que liderou, acompanhe:
Fale um pouco sobre quem é o Washington?
Um baby boomer, que teve uma carreira muito longeva na Xerox, afinal minha geração acreditava que fazer carreira era iniciar em uma empresa e permanecer nela até o encerramento do ciclo profissional. Enfim, entrei lá como um vendedor e saí com Presidente de mercados emergentes em 2007, época que eu morava em Stanford e liderava uma operação de 120 países. Como sempre busco o novo, morei em nove países, o que me permitiu me adaptar a contextos profissionais, pessoas e culturas distintas. Naquela época eu já sabia que o mundo dos negócios passaria por muitas mudanças, momento em que apareceu um headhunter com uma proposta para presidir uma empresa da América Latina e eu aceitei. Depois de 22 anos, saí da Xerox numa sexta-feira, nos Estados Unidos, e comecei na Adecco Group em uma segunda-feira, mas resolvi sair após três ano porque o modelo do negócio não me tocava a alma de coração no meu propósito. A vida profissional nos ensina, que você precisa trocar de uma organização para outra, porque você está apaixonado pela nova perspectiva profissional e não porque você está se sentindo mal com a experiência anterior. Então, fiz um novo processo de turnaround e cheguei à dinamarquesa ISS, que na época não estava indo tão bem com seus negócios no Brasil. Essa passagem me deu o real entendimento sobre humanização e um outro olhar sobre negócios no segmento de prestação de serviços. E, ao final de três novos anos, recebi uma nova proposta para vir para a JLL, que estava num nível acima do negócio de “limpeza e conservação”, quando resolvi embarcar no conceito de gerenciamento para desenvolver o mercado da América Latina e já estou aqui há pouco mais de oito anos. Durante esta jornada vivi muitas experiências que me completam, que me ajudaram muito a ter um mindset ainda mais diferenciado sobre a vida corporativa.
Como é liderar a JLL no mercado brasileiro, considerando que muitas empresas de prestação de serviços especializados (facility services companies) se posicionam como se fossem gerenciadoras?
Eu acredito que primeiro tem uma diferença grande entre ser um provedor de serviços direto e um gerenciador de serviços diversos. Prestadores de serviço, que é uma concepção que é muito mais clara em mercados mais desenvolvidos, Europa, USA. É interessante porque o anglo saxônico é mais desenvolvido que o mercado americano. O mercado da Austrália e do Reino Unido são de alguma maneira mais desenvolvidos. Os Nórdicos com um grau de maturidade enorme. Há paradigmas interessantes, eu me lembro de conversar, por exemplo, com as pessoas que faziam a limpeza do escritório da própria ISS e elas falavam comigo em inglês e tinham duas ou três formações. Então, quero dizer que a lógica da relação da classe baixa, média e alta ela é muito mais estreitadas em mercados não tão desenvolvidos. Para você ter uma ideia o presidente da companhia vinha de bicicleta para o trabalho. Quando trazemos isso para a América Latina, incluindo o Brasil, ainda falta algum amadurecimento, mas na contrapartida tem um lado muito bom aqui, que é a nossa capacidade criativa de estar fazendo muitas coisas, claro que excluindo as questões de taxas e impostos que trazem mais dificuldades, quando você subcontrata alguém para o gerenciamento terceirizado. Crescemos bastante no Brasil, mas crescemos menos, relativamente, em comparação com países como México, Colômbia e Chile, cuja legislação é menos complexa.
O mercado brasileiro é de margens pequenas e no passado trazer riscos trabalhistas ao longo do seu ciclo, claro que não tanto quanto hoje. Haja vista o que a mídia recentemente publicou sobre o “trabalho escravo” em vinícolas conceituadas da região Sul do País. Ou seja, produção de vinhos de excelente valor, mas a que custo? Esse exemplo mostra um impacto enorme na imagem e no risco desse negócio. Então, a leitura de nosso mercado é que ele ainda carece de amadurecimento, mas ao mesmo tempo há um grande potencial a ser desenvolvido. Eu acho que o nosso grande problema é que a muitas vezes a legislação faz com que determinados players não tenham tantos cuidados em relação as pessoas e aos pagamentos dessas pessoas de forma correta. Isso acaba criando aquela lógica de que você aperta o fornecedor até ele morrer e você contrata um outro fornecedor que vai morrer daqui dois ou três anos, de novo. Então eu acredito que essa nossa lógica de custo tem se mostrando cada vez com uma vida mais curta, o que é positivo. Já percebemos um número importante de empresas muito mais orientada para o desenvolvimento de uma lógica de ecossistema.
Você acredita que o aprendizado vivenciado na Covid contribui neste sentido?
Sim, foi um período crítico de mudança, mas com uma lógica de ecossistema caminhando muito mais forte. Indiscutivelmente, a pandemia trouxe um mal enorme e perdas de vidas. Mas sobre a perspectiva de negócios ela acelerou 10, 15 anos, porque nos obrigou a olhar a vida sob uma perspectiva diferente. Eu gastava uma hora e meia para vir trabalhar todos os dias e eu acreditava que este tempo de mobilidade fazia parte do contexto. Hoje em dia eu penso, vou perder três horas do meu dia no trânsito. Parece uma coisa simples, mas a dinâmica do trabalho e o ambiente de trabalho, que a gente chama aqui de Workplace, Workspace e Worker são distintas. Agora a pessoa passa a ser o centro, antes da revolução industrial, o centro de tudo era o trabalho. Hoje, dependendo da atividade, podemos trabalhar em qualquer lugar do mundo para servir uma determinada organização. E essa lógica também muda a nossa posição, as estratégias e os espaços das organizações.
Certamente um legado que mudou paradigmas organizacionais?
Às vezes subestimamos as mudanças, vimos que as pessoas sofreram de doenças mentais, como o Burnout. De um dia para outro, estávamos em casa compartilhando recursos com família e espaços, filhos, pets e tudo no mundo que se disruptou. Foi quando percebemos uma lógica diferente da entrega do trabalho. Eu trabalhava em empresas doentes num mundo saudável. Qual era o meu papel? Fazer aquela empresa ficar saudável. O que que aconteceu com todos nós? O mundo ficou doente. A gente saudável. Olha que parece uma coisa pequena, mas olha a mudança de paradigma, isso é um negócio monstruoso. Porque você teve que revisitar toda a sua forma de ver e rever a vida, o que de certa forma trouxe muitas questões psicológicas.
Somado a isso, se comunicar com uma pessoa de vinte anos não tem nada a ver na forma de se comunicar comigo, que tenho sessenta anos. O que é importante para mim, dadas as proporções, não tem nada a ver, não tem valor nenhum para uma pessoa de vinte. E no ambiente de trabalho vamos ter uma pessoa de vinte, uma de trinta, uma de quarenta, uma de cinquenta, e vamos ter mulheres, vamos ter todas as diversidades caminhando juntas. Tudo isso apresenta pontos de reflexão porque temos que nos autos revistar, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo.
As pessoas não estão mais dispostas àquele modelo de trabalho antes da pandemia. Temos visto lugares no mundo em que se estuda trabalhar quatro dias e gerenciar as pessoas por projeto, por propósito, ao invés de gerenciar as pessoas por atividade, tarefa. Ainda estamos com um olhar um pouco míope, pois a questão aqui não e reduzir x% dos custos da limpeza, mas ter uma visão sistêmica da lógica da ocupação para atender as demandas das organizações, que também estão com seus negócios em transformação.
Se estamos olhando as possibilidades no contexto do gerenciamento de facilidades, diferente do contexto fabril onde os ganhos são pequenos devido a pouca margem para manobras, quando você analisar os ambientes de escritórios, por exemplo, temos a oportunidade de evoluir com um olhar sistêmico e não pontual.
Você não houve falar em um boom de crescimento de 40% ou 50% no mercado de FM, principalmente neste momento de transformação, porque o nosso mercado é de movimento. Se eu vou reduzir, aumentar, redesenhar, vender ou vou comprar espaços, estamos contextualizando o FM, pois todos esses movimentos, o tempo inteiro, gera esse tipo de transações no nosso segmento. Eu não vejo uma redução, é claro que a gente espera pelo que vem acontecendo nos Estados Unidos, principalmente na Europa, guerra e tudo mais, a gente espera uma redução principalmente no volume de transações, mas o volume de negócios e a quantidade de negócios por mudança aumentou de uma maneira fenomenal.
Poderia exemplificar esses aumentos nas demandas no escopo do FM?
Não é sobre o cortar o cafezinho. É entender que FM é na maioria das organizações estamos olhando a segunda ou terceira linha mais importante da organização, que é aquela que integra todo o processo de Outsoursing, que passa por três ciclos. O primeiro é ter o controle do que está acontecendo. A maioria das empresas ainda não tem controle sobre gestão de Facilities. Em algumas organizações parte está em RH, outra parte em Administração, outra em Finanças e outra não está com ninguém. E a demanda por FM é percebida, por exemplo, quando a organização muda de endereço de um lugar de dois para outro de cinco andares, ou vice-versa. Quem vai cuidar desse projeto? A secretária? O segundo ciclo é quando você passa a fazer benchmarking de custos, a primeira coisa é o controle, depois eu vou fazer benchmarking de custos e depois isso vira commodities. Enfim, saber o que está acontecendo na empresa, qual é o controle que eu tenho, como eu gerencio este espaço de trabalho de forma a atender de forma eficiente o ecossistema do mundo dos negócios, que pode se transformar ao longo do tempo a exemplo do que a IBM fez, quando percebeu a lógica de não operar seus próprios datacenters para operar na nuvem.
Como as empresas como a JLL estão atendendo a este momento de mercado?
Estamos num momento de mudar do centro do local do trabalho para o centro da pessoa que trabalha, mesmo porque a realidade da ocupação dos espaços de trabalho hoje é uma frustração completa, onde o modelo imperativo de volte ao escritório precisa ser repensado. Hoje, temos através da ciência e da pesquisa, a exemplo do uso da inteligência artificial, que em alguns testes, denominados de People Experience em que você começa a avaliar resultados de ondas cerebrais, quando a pessoa está trabalhando em casa ou quando ela trabalha no escritório e as resultantes são de que as pessoas são comprovadamente mais produtivas quando trabalham em equipe, quando estão juntas fisicamente. Então, não adianta fazer uma reunião conosco aqui no escritório e mais duas no home office. Juntos há uma interação maior, pois as pessoas se sentem menos estressadas, elas produzem mais, as ondas cerebrais são assim. Enfim, ter modelos com dados estatísticos, que mostrem que precisamos evoluir neste tipo de conexão híbrida e mostrar a melhor forma das pessoas produzirem. A partir daí é possível aplicar um gerenciamento efetivo e com resultados. Precisamos aprender a ter um modelo mais colaborativo, porque quando o mercado cresce é bom para todos.
Colaboração é uma estratégia madura para os mercados, para o crescimento de todos?
Sempre. Hoje o mercado de FM não tem 18% de penetração, ou seja, ainda há muito para crescer. Então se o mercado é tão baixo em penetração, nós temos um dever, de aumentá-lo, passando por fazer o mercado entender o que é Facility Management. Qual é a nossa contribuição para sociedade em termos de gestão de Facilities: redução de emissão de carbono, em termos de sustentabilidade, redução de doenças, então tem muitas coisas associadas ao nosso papel e temos que trabalhar de forma mais unida, esse é um dos nossos papéis, eu acredito nisso. Uma coisa é você participar de uma RFP (request for proposal) e participar como um player do setor, outra coisa é olhar esta RFP e contribuir para que o perfil do que está solicitado nesta proposta de serviços possa ser amadurecido e beneficiando o contratante, o contratado e o mercado de forma mais profissional e regulada.
Observo que as propostas precisavam ser pensadas com um escopo mais holístico, você concorda?
Concordo. Se você pensar as áreas são organizadas muitas vezes por categorias. Eu estou com a categoria “limpeza” você lá do outro lado na categoria “manutenção” etc. Ou seja, se cada um está cuidando de um pedaço da empresa, no final do dia você tem vários pedaços e não uma empresa inteira, por isso a visão precisa ser holística. Outro ponto é experiência do cliente. Um exemplo, se você precisa da seguradora você liga num número determinado e fala com umas 3, 5 pessoas ou com o robô (inteligência artificial, que está melhorando) e a resposta para atender a demando do sinistro, normalmente, é muito ruim, pois você falou com várias pessoas e/ou robô e não tem o seu problema resolvido. Então, a questão para evoluirmos nessa lógica de cliente é uma lógica de processo e não é uma lógica de tarefa, sem perder de vista a preparação das pessoas para o mundo digital. A tecnologia é um elemento fundamental para assegurar que essas interações sejam as melhores possíveis. E eu entendo que nós só vamos conseguir ter sucesso se prepararmos o nosso pessoal para lidar com o cliente do jeito certo. Fazemos um bom trabalho, mas a questão do encantamento, da surpresa de fazer alguma coisa, a lógica tão bem-vinda em que foi a mudança de hospitalidade que vem para FM. Se a gente olhar no passado a hospitalidade era uma coisa do negócio hoteleiro.
O formato de hospitalidade se traduz no FM, certo?
Sim, nos vemos uma evolução enorme. Às vezes você chega no edifício e a forma com que as pessoas te recebem é espetacular, você se sente super bem. Ou seja, o atendimento deixou de ser tão mecânico e passamos a criar interações mais interpessoais. Aqui na JLL, quando pensamos em posicionamento, pensamos desde o momento em uma empresa quer escolher um novo endereço para sua empresa, nós vamos ajudar você a escolher determinado imóvel até a hora que você quer descartar ou vender aquele imóvel. Então, a lógica é atuar em todo o ciclo de vida de uma determinada demanda e, por isso, estamos em todas as etapas do processo imobiliário. A questão é entender que eu não quero te vender, mas sim resolver o problema que que você precisa resolver na perspectiva das dores que este cliente tenha.
Esse é o papel do FM, certo?
Nosso papel é ajudar o cliente a entender qual é a sua real necessidade, mas a gente não pode ser imperativo, naquilo que a gente muitas vezes vê que obviamente não está bem construído na RFP, por exemplo. Lidamos com muita suscetibilidade, com falta de interação das áreas dentro das empresas. Dessa forma, o nosso papel é continuar educando. Pontuar que num escritório de dez andares, por exemplo, eu posso limpar um andar por vez no período noturno e apagar a luz quando finalizar o andar, antes de passar para o próximo. Gerenciar e focar efetivamente nas necessidades dos clientes é ter visão de todas as variáveis que permeiam o negócio, o espaço e as pessoas. Sair do modelo de fazer mais com menos para um modelo de servir melhor, dentro do contexto do ESG, contribuindo para uma cadeia de conexões saudável. Ah, para finalizar, embora estejamos trabalhando com todas as gerações nos mesmos ambientes é bom não esquecer que os baby-boomers estarão saindo do mercado nos próximos anos e as novas lideranças e clientes já são uma mistura da Geração X, Y, Millennials e Z, que já possuem um outro olhar sobre o mundo. Por isso, temos que seguir com olhar sistêmico, transformando e reordenando a logística dos custos e produzindo ganhos – tangíveis e intangíveis – e com foco nas pessoas que hoje são o capital das companhias.