Por Larissa Gregorutti
Em um momento de transição, em que vivemos o início da quarta Revolução Industrial, grandes empresas, para não ficarem de fora desse movimento, têm investido cada vez mais em tecnologia e inovação.
As novidades abrangem numerosas áreas, como: Inteligência Artificial (AI, na sigla em inglês), robótica, a Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês), veículos autônomos, impressão 3D, nanotecnologia, biotecnologia, ciência dos materiais, armazenamento de energia, computação quântica, entre outras inovações.
Junto com esse processo de mudança, implantar projetos de desenvolvimento de softwares dentro das empresas têm se tornado cada vez mais comum no escopo de suas atividades, mas o assunto que tem chamado a atenção, é o impacto da transformação digital no ambiente de trabalho.
A velocidade com que a indústria evolui desperta o interesse no mundo dos negócios pela mudança radical que diferentes métodos de trabalhos são aplicados, desenvolvendo de modo cada vez mais rápido, projetos cada vez mais confiáveis e eficientes no setor de tecnologia.
As metodologias prescritivas e hierarquizadas que eram empregadas na gerência de projetos do passado, dão lugar aos princípios do conceito Agile (ágil) e ao uso do método Scrum, possibilitando que essa mudança organizacional possa ser aplicada fora do mundo da tecnologia, em diversas áreas das companhias, respondendo mais rápido às mudanças do mercado.
Seja para gerenciar um empreendimento corporativo, para inventar uma tecnologia pioneira ou para realizar uma campanha de marketing, entenda como o Scrum tem impactado na organização de equipes em grandes empresas brasileiras.
Uma nova forma de pensar
Desenvolvido por Ken Schwaber e Jeff Sutherland, o Scrum é uma metodologia ágil que estrutura o trabalho em equipe, fornecendo ferramentas para se auto-organizarem e otimizarem em pouco tempo a rapidez e a qualidade do trabalho.
O Scrum foi criado para substituir o método de planejamento em cascata, desenvolvido por Henry Gantt na década de 1980. Neste método, todas as etapas de um projeto são detalhadas em forma de diagrama, apresentam todas as metas a serem alcançadas e todas as datas de entrega. Este sistema ainda é muito utilizado dentro das empresas, mas seu grande problema, segundo Sutherland, autor do livro Scrum: a arte de fazer o dobro do trabalho na metade do tempo, publicado em 2014, é que ele nunca dá certo. Seja porque o projeto fica parado em algum departamento da empresa esperando aprovação interna, porque não cumpre prazos ou ultrapassa o orçamento estipulado, a realidade é que as tarefas estipuladas no diagrama de Gantt funcionam apenas no papel.
Marcelo Leite Barros, Scrum Master e Agile Coach da Lambda3, consultoria de desenvolvimento de software, conhece bem a realidade do mercado antes e após o método Scrum. “Como analista de sistemas, eu já trabalhei no desenvolvimento de um projeto que passou por todas as etapas de planejamento, e depois de um ano de execução, ao apresentar o produto final ao cliente, ele disse que estava tudo errado e não era aquilo que ele queria. Então, teve um desgaste muito grande da empresa contratante, pois eles tiveram que renegociar um contrato que estava praticamente pago, pois estava no final do projeto”.
Nessa época, Barros explica que ainda não trabalhava com as estratégias de agilidade, e que se conhecesse o método do Scrum, aquele projeto com certeza seria realizado de modo diferente, alcançando melhores resultados.
Nome que teve origem no esporte, comparava o trabalho de equipes a um time de rúgbi, sendo que as melhores equipes agiam como se estivessem em um scrum: tática utilizada quando a bola é passada pelo time conforme ele avança, em unidade, pelo campo. Neste contexto, as equipes que utilizaram processos de desenvolvimento que inspiraram o Scrum, eram multifuncionais, tinham autonomia, recebiam autoridade para tomar suas próprias decisões e tinham um objetivo em comum.
Após o nascimento formal do Scrum, ao ser implementado dentro das empresas, as equipes passaram a ser desenvolvidas da seguinte forma: primeiramente é feita a escolha de um product owner, responsável pelo valor do produto escolhido, é aquele que tem a visão do que equipe produzirá ou realizará. Em seguida, as equipes devem ser montadas com três a nove pessoas de habilidades multidisciplinares, que devem realizar no prazo pré-determinado, que varia entre uma semana a um mês, reuniões sprint para a entrega de tarefas realizadas. Um Scrum Master é eleito, e passa a ser o responsável pelo bom andamento do processo. Será ele quem treinará o resto da equipe na estrutura do Scrum, conduzirá as reuniões e ajudará a equipe a descobrir o que atrapalha o andamento do projeto.
Um modo simples e eficaz de aplicar o Scrum, por exemplo, é medir em intervalos regulares se o projeto em desenvolvimento é aquilo que o cliente espera, se está sendo feito com qualidade e se existem possibilidades de melhorias.
Ciclo conhecido como inspeção e adaptação, alcança a “hiperprodutividade”, ou seja, uma melhora significativa na produtividade dos grupos, se bem executado com reflexão, introspecção, honestidade e disciplina. Desta forma, o Scrum promove a capacidade de adaptação às mudanças, em busca de um aprimoramento contínuo.
“Pense nisso: quando foi a última vez que você usou o editor do Visual Basic no Microsoft Word? Você provavelmente não sabe o que é o Visual Basic, muito menos por que precisaria usar tal ferramenta. Mas ela está lá, e alguém gastou tempo implementando essa funcionalidade, e garanto que ela não aumenta o valor agregado do Word de maneira significativa.” (Sutherland, capítulo 1, p. 19, §1º)
Entenda que os modelos ágeis de start-ups utilizados por empresas, falam muito de desenvolver um trabalho em colaboração e ter um feedback com mais força, comenta Henrique Imbertti, Diretor de Agilidade Organizacional do Magazine Luiza. Então, enquanto no modelo tradicional uma equipe testa um produto uma vez por ano e corre o risco de entregar algo que ficou ultrapassado nesse tempo, com o método Scrum, a equipe planeja, desenvolve e testa de forma mais rápida, geralmente a cada duas semanas, ou seja, 24 vezes ao ano. “Assim, é possível ter o feedback ideal de um cliente, que vai te dizer se o produto tem ou não lugar no mercado”, explica o Especialista que integra o time do LuizaLabs, laboratório de tecnologia e inovação que tem como objetivo criar produtos e serviços com foco no varejo, e que desde o início dos trabalhos, em 2012, segue os princípios do Agile.
Com escritórios localizados na Zona Norte de São Paulo e na cidade de Franca, a área que teve início com sete pessoas, hoje possui mais de 400 colaboradores que trabalham divididos em equipes de duas a cinco pessoas multidisciplinares, com autonomia e liberdade para decidirem o que tem de ser feito, de tal forma que conseguem entregar mais resultado em paralelo.
Segundo Imbertti, o LuizaLabs está localizado em um ambiente descontraído, com um mix de espaços abertos e células mais fechadas em formato de U, com até dez lugares, viradas para o corredor, que permitem que as equipes trabalhem de forma integrada, sem sofrer com o excesso de ruído. Além disso, o layout do escritório possui muitos quadros brancos, que permitem que as equipes façam planejamentos e brainstorming.
Além do Magazine Luiza, a Vivo também buscou liderar um processo de transformação digital, desta vez no setor de telecomunicações. Segundo Fernando Moulin, Diretor de Experiência Digital da empresa, um dos pilares dessa transformação é o projeto Digital Experience (#DEx), que promove uma mudança completa na forma de trabalho, proporcionando mais agilidade, simplicidade e autonomia na tomada de decisão das equipes por meio da implantação dos squads, células que atuam de acordo com preceitos da metodologia ágil e a abordagem design thinking para acelerar a execução da transformação digital da companhia.
Neste case, Moulin comenta que a empresa realizou uma abordagem estruturada que permitiu mapear oportunidades nos canais digitais e priorizar as principais jornadas dos clientes, focadas em frentes relacionadas a e-care e e-commerce para o cliente B2C e B2B. Os squads foram criados a partir desses temas, tais como conta digital, gestão de dados e saldos, questões técnicas e comerciais. Cada time é composto de sete a 12 profissionais de diferentes áreas com dedicação full time, trabalhando de forma integrada e focada na resolução do tema determinado. Em algumas fases do framework Agile, outros profissionais da unidade de negócios são convidados a participar do projeto. Os principais papéis dentro do time são o de product owner, o de Scrum master, o de analista funcional e os times de UX, design, desenvolvimento e testes, sendo que o time desenvolve o produto, testa, verifica as falhas e aprende com elas.
O Programa de Transformação Digital está em andamento e mais de cem entregas foram realizadas. “Entendemos que colocar nosso cliente no centro de todas as nossas iniciativas e ganhar velocidade na execução dos nossos projetos era essencial para acompanhar a transformação do mercado. O método já é adotado em grandes empresas e start-ups de destaque e a Vivo decidiu incorporá-la com o objetivo de trazer mais agilidade e simplicidade à companhia”, completou o Diretor de Experiência Digital da Vivo.
Metodologia aplicável em outras áreas
Um estudo realizado pela empresa de pesquisas Coleman Parkes Research a pedido CA Technologies, mostra que somente 6% das empresas têm transformado toda a organização para adotar princípios de agilidade de negócios. A entrevista que ouviu 1.770 executivos de tecnologia da informação em 21 países, incluindo 76 brasileiros descobriu também que 12% das empresas não usam metodologias ágeis, 30% têm adotado as metodologias além da TI, em áreas como marketing e vendas, e 88% utilizam os métodos ágeis em algum nível, provavelmente para o desenvolvimento de softwares.
A pesquisa também revelou que os investimentos em transformação digital aumentaram em 37% as receitas das empresas no mundo e em 50% no Brasil, ou seja, é cada vez mais evidente que os modelos de agilidade, em especial o Scrum, através da colaboração, trazem repostas rápidas, criativas, inovadoras e de qualidade, permitindo o melhor desenvolvimento das empresas.
O Scrum, é o coração da metodologia ágil. Termo que surgiu em uma reunião de líderes de desenvolvimento de softwares em 2001 nos Estados Unidos, o conceito Agile foi criado a partir do que se tornou conhecido como o “Manifesto Ágil”, uma filosofia de desenvolvimento de projetos que valoriza:
• indivíduos e interações mais que processos e ferramentas;
• software em funcionamento mais que documentação abrangente;
• colaboração com o cliente mais que negociação de contratos;
• responder a mudanças mais que seguir um plano.
Iniciativa de plataforma on-line, o escritório da Youse Seguros (Caixa Seguradora) foi projetado para trabalhar em formato de squads, com 12 posições, sendo seis pessoas de um time de um lado do espaço, e seis pessoas de outro time de outro lado. Cada time possui posições multidisciplinares que realizam entregas eficientes, ou seja, sem precisar falar com outra pessoa de outro departamento, o que traz muita agilidade ao processo.
Segundo Ubiratan Padilha, Agile Chapter Lead da Youse, a empresa também aplica parte dessas metodologias em outras áreas, como no RH, no financeiro, no marketing, na área de atendimento ao cliente, que trabalham principalmente a parte da gestão visual. “Deixar o trabalho visível no quadro, com todo o planejamento dos próximos itens que precisam ser feitos movimentando o uso de post-its, facilita muito o trabalho visual da equipe que incorpora esse método com facilidade”, comentou Padilha.
Outra técnica muito utilizada no Scrum, por exemplo, são as reuniões diárias de até 15 minutos, que normalmente acontecem das 10h às 10h15 da manhã, e permite que qualquer time possa fazer o alinhamento diário para rever quais atividades foram desenvolvidas no dia anterior, quais atividades serão realizadas ao longo do dia e se há algum obstáculo que esteja impedindo a equipe de alcançar uma meta traçada.
Quem também já implementou agilidade em outras áreas foi o Barros do Lambda3: “Eu já trabalhei em outras empresas em que a gente implementou agilidade para a área de recursos humanos, então qual foi o benefício disso? O RH pôde se organizar de forma colaborativa, ou seja, sem um profissional responsável por gerenciar uma vaga, qualquer pessoa pôde chamar um candidato, fazer entrevista e fazer follow up, que é o acompanhamento do processo após a etapa inicial”, comentou.
Barros também explicou que o Scrum veio através do conceito de “produto mínimo viável”, para enxugar o produto, e entregar alguma coisa em até um mês para testar a aceitação. “Em marketing isso é bem usado, porque apesar da equipe precisar realizar uma campanha, através desse processo, ela consegue se organizar para entregar algum resultado o mais rápido possível”, além do mais, continua o especialista, as equipes trabalham com interações em time box, ou seja, em uma semana ou duas de projeto, já é possível entregar uma peça de marketing pronta para alguém avaliar.
O Scrum é baseado em teorias complexas, como executar ciclos diários de Planejar, Desenvolver, Checar e Agir (PDCA). Mas Barros ressalta: “hoje existe a gourmetização dessa metodologia. Porém, a agilidade não é um fim, é um meio, ou seja, antes de utilizar o Scrum, procure um modelo ágil que faça sentido para a sua empresa e adapte o modelo a sua realidade”. O grande lance é perceber que o modelo ágil é voltado para proporcionar a comunicação entre as pessoas, afinal, ao contrário do que muitos pensam, a pessoa ao seu lado não é seu concorrente, mas sim o seu companheiro de trabalho. Neste sentido, a interação entre equipes além de melhorar o relacionamento entre as pessoas, proporciona o crescimento da empresa.