Por Marcus Granadeiro
Os primeiros passos da digitalização, no início da década de 90, não foram fáceis. Conceitos tecnológicos que hoje não nos parecem tão complexos, para a época, eram quase utópicos. Por exemplo, ter uma rede interna ou configurar um sistema operacional eram tarefas complicadas. Soma-se à complexidade dos softwares com máquinas que eram montadas de forma amadora e a cultura do uso de plataformas piratas.
Além disso, os sistemas eram mais precários, pois, para aprender a desenvolvê-los, não era possível contar com a ajuda de tutoriais no Youtube. O acesso aos livros também ficava restrito às pessoas com maior poder aquisitivo, o que dificultava o processo de aprendizagem dentro das áreas de tecnologia.
Com a evolução do desenho, ainda na década de 90, saímos do papel e da prancheta para fazer uso do escaneamento e da vetorização de plantas. A partir daí, começaram a surgir as integrações dos desenhos físicos com a digitalização dos projetos, momento em que a união do físico e do digital dentro da engenharia passou a ser chamada de phydigital.
Entre a consolidação dos desenhos assistidos por computador (CADs) e a atual onda do BIM (Building Information Modeling), tivemos o advento da internet. Com a novidade, muitas das barreiras que existiam anteriormente foram derrubadas, cedendo espaço para que novos serviços e aplicações, como as plataformas de colaboração e a digitalização do processo de coordenação, fossem desenvolvidos.
Mas, em meio às inovações tecnológicas, o BIM ainda é uma proposta mais audaciosa. Por isso, não se fala em implantar o BIM, mas sim em criar uma jornada sobre essa metodologia. Conceitos como nível de maturidade passaram a ser necessários para a criação de benchmarks entre empresas, setores e mercados.
A parte mais simples de ser implantada em um processo BIM são os desenhos 3D, que podem ser entendidos como uma evolução dos CADs. Além disso, essa é a área mais fácil de se compreender. Antes, os desenhos contavam com apenas duas dimensões. Hoje, já é possível falar em até dez dimensões. Com a evolução, novas variáveis foram acrescidas aos tradicionais eixos cartesianos, como o tempo, o dinheiro ou créditos de carbono, tema tão discutido na era do ESG (Ambiental, Social e Governança).
Nessa evolução, a parte mais complexa da jornada de implementação do BIM está nos processos associados ao fluxo de informação ao longo do ciclo de vida de um empreendimento. Existe uma grande inovação em como especificar, contratar, produzir e receber os dados para planejar, projetar, construir e operar uma obra.
Então, dizemos que o BIM é uma proposta audaciosa, pois esse processo revoluciona toda a ideia de projetos de construção. Uma edificação que tem seu portfólio de informações organizado ao longo de todo o ciclo de vida atinge um grande valor agregado. Podemos comparar as construções arquitetônicas com um carro. Por exemplo, um veículo que é bem cuidado e tem suas revisões feitas periodicamente poderá ser vendido por um valor muito mais alto do que um automóvel malcuidado, que acumulou diversos problemas durante sua vida.
Nesse sentido, para garantir que um projeto atenda às necessidades da organização contratante, é fundamental definir quais são as exigências do planejamento com base nos requisitos dos ativos. Esses requisitos devem ser discutidos e revisados durante todo o desenvolvimento do projeto para garantir que todas as demandas sejam atendidas.
Além disso, as definições e detalhes do plano são essenciais na fase de construção, já que são consumidos por diversas partes da obra, incluindo pelos suprimentos. Por isso, é importante que a informação seja precisa e esteja disponível para todas as áreas envolvidas no projeto, garantindo que ele seja executado de forma eficiente e segura.
Vale destacar que, durante a obra, ter o BIM implementado colabora para a resolução de problemas de maneira rápida e eficiente, já que essa metodologia tem como principal objetivo dar ao tomador de decisão a informação correta no momento adequado. Com o BIM, problemas que poderiam prejudicar a obra podem ser previstos antecipadamente e resolvidos durante a criação do projeto, evitando atrasos e problemas durante a construção.
Ao contar com dados de projeto digitalizados e organizados, é possível otimizar a tomada de decisões dentro das obras, aumentando a produtividade do trabalho dos envolvidos em uma construção. Além disso, após a implementação do BIM, existe a possibilidade de agregar informações operacionais e utilizar algoritmos de machine learning, que permitem a automação de processos dentro das obras. Dessa maneira, se torna viável conduzir a construção sem grandes imprevistos, que poderiam comprometer toda a vida útil de uma edificação.
Por fim, é importante ressaltar a importância do descomissionamento, pois é fundamental considerar como será o fim de toda construção realizada. A modelagem adequada, por meio do BIM, pode ajudar a demolir uma edificação de forma otimizada e eficiente, evitando problemas futuros. Como exemplo, podemos citar o descomissionamento das usinas de Fukushima, que foi baseado em processos BIM e permitiu a destinação adequada do material radioativo presente no local.
Mas para alcançar os benefícios do BIM, é necessário enfrentar a jornada rumo a sua implementação. Durante esse percurso, é preciso mudar algumas peças, como as relações com clientes, propostas de valor, entregas e processos. Neste cenário, os dados se tornam a etapa de maior valor dentro de um negócio. A complexidade aumenta à medida que a adoção de novas ideias tem, como consequência, o envolvimento de toda a cadeia de produção, ou seja, não impacta apenas uma empresa.
Portanto, o BIM é um desafio que vai muito além de adquirir uma nova tecnologia ou contratar um serviço. Essa é uma jornada que precisa ser encarada de forma plena, como um processo, dentro do que hoje chamamos de Transformação Digital.