Dr. Ricardo Hiroshi Akamine, Sócio Tributário na PK Advogados.
O Governo Federal, no final da semana passada, apresentou um Projeto de Lei (PL 2.337/21) que tem como intuito, basicamente, alterar a legislação do Imposto de Renda, para, em geral, aumentar a carga tributária.
Ocorre que, se por um lado o PL propõe uma correção, já há muito tempo devida, da Tabela Progressiva (em percentuais que vão de 13% a 31%) e cria a possibilidade de antecipar a tributação sobre o ganho de capital de imóveis mediante aplicação de alíquota com desconto, por outro, sugere uma série de mudanças que acarretarão severo aumento da carga tributária.
De qualquer modo, é importante destacar que, por enquanto, as propostas ainda não foram aprovadas e que, mesmo que sejam, as novas regras só poderão ser aplicadas após 90 (noventa) dias da publicação da lei e apenas no ano-calendário seguinte à sua publicação.
A seguir apresentamos um resumo das principais alterações propostas.
Correção da Tabela Progressiva
Como já se disse, o PL propõe a alteração da Tabela Progressiva em percentuais diferentes para as diversas faixas de incidência. O comparativo abaixo demonstra os percentuais sugeridos.
Obviamente que a correção da Tabela Progressiva representa uma boa notícia, aumenta a desoneração sobre parcela importante da população e corrige uma distorção ocasionada pela ausência de sua atualização desde 2015. Todavia, o PL contempla uma série de outras propostas que não só deverão aumentar a carga tributária, mas também trazer sérios impactos econômicos.
Tributação de Dividendos
Uma das propostas mais divulgadas em relação ao PL diz respeito à tributação sobre distribuição de lucros e dividendos, dessa vez, à alíquota de 20% (se o sócio ou acionista for residente ou domiciliado em paraíso fiscal a alíquota será de 30%).
A proposta determina a retenção na fonte inclusive no pagamento de dividendos para pessoas jurídicas, permitindo apenas que o imposto retido seja compensado com o devido sobre a subsequente distribuição de lucros pela holding para seus próprios sócios ou acionistas.
Paralelamente à tributação de lucros ou dividendos a proposta prevê também que Juros sobre o Capital Próprio (JCP) deixarão de ser dedutíveis nas bases de cálculo de IRPJ e CSLL, medida que, na prática, inviabiliza quase completamente sua utilização.
No projeto está prevista isenção para distribuições de lucros efetuadas por Micro e Pequenas Empresas, respeitado o limite mensal de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), considerados individualmente, a menos que os sócios sejam pessoas ligadas.
Ademais, como forma de evitar a adoção de subterfúgios para burlar a tributação na distribuição de dividendos, o PL amplia as hipóteses de caracterização de distribuição disfarçada de lucros, estendendo-as também para empresas tributadas pelo Lucro Presumido, de modo a abranger operações de favorecimento dos sócios, realizadas de diversas formas, inclusive mediante empréstimo (se houver saldo de reservas de lucros), pagamento de aluguéis, perdão de dívida, licenciamento, pagamento de escolas, planos de saúde etc.
Redução do IRPJ
Nos termos do PL, a alíquota básica de IRPJ será reduzida dos atuais 15% para 12,5% em relação ao ano-calendário 2022 e para 10% em relação aos anos-calendários seguintes, como forma de compensar a tributação dos dividendos.
Todavia, referida redução deve ter impacto muito pequeno, insuficiente para compensar a tributação na distribuição de lucros.
Tributação de Empresas Imobiliárias
O PL também propõe a vedação da opção pelo Lucro Presumido para empresas que tenham como objeto a securitização de créditos, a exploração de direitos de imagem, nome ou marca e cuja receita bruta de atividades imobiliárias represente mais de 50% da receita bruta total.
Desse modo, estariam excluídos da tributação pelo Lucro Presumido as empresas que administram imóveis próprios, regularmente utilizadas como ferramentas de sucessão familiar, tornando sua tributação muito mais onerosa.
Ágio (Goodwill e Mais-Valia)
Estão sendo propostas também alterações em relação à dedutibilidade do ágio em reorganizações societárias, tanto em relação ao chamado ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill) quanto em relação à mais-valia, de modo a limitar as hipóteses de dedução ou seus impactos na apuração dos tributos.
Tributação de Offshores
Outra proposta constante do PL consiste na tributação presumida dos lucros auferidos por empresas sediadas em paraísos fiscais, que deverá ocorrer na data de levantamento do balanço, sendo tributados de acordo com a Tabela Progressiva pelo acionista controlador (pessoa física), proporcionalmente à sua participação no capital social. Nesse caso a posterior variação cambial, incidente no momento em que os lucros forem distribuídos, estará sujeita à tributação como ganho de capital.
De acordo com o PL, a tributação se aplica também às pessoas ligadas que, em conjunto, detenham direitos de voto que lhes assegurem o controle.
Ademais, o PL prevê também que o aporte de capital em offshores mediante a entrega de bens deverá ser realizado a valores de mercado, sendo que tal disposição se aplicaria, inclusive, para a instituição de trusts ou fundos.
A proposta estabelece também a tributação de alienações indiretas realizadas por residentes ou domiciliados no exterior de ativos localizados no Brasil, sendo que o tributo será de responsabilidade do adquirente.
Redução de Capital em Bens
Atualmente, a pessoa jurídica pode reduzir seu capital social e efetuar o pagamento aos sócios mediante a entrega de bens, avaliados a valor contábil, portanto, sem ganho de capital. O PL, todavia, propõe que referida redução de capital mediante pagamento em bens deve ser realizada a valor de mercado, ocasionando o reconhecimento de ganho de capital, sujeito à tributação.
Tributação de SCP's
Já há muitos anos, as sociedades em conta de participação (SCP's) podem adotar qualquer regime de tributação que lhes seja permitido de acordo com sua atividade e faturamento, independentemente da opção adotada por seu sócio ostensivo.
A proposta do governo, contudo, consiste em voltar a atrelar a tributação da SCP ao regime tributário adotado por seu sócio ostensivo, reduzindo drasticamente as vantagens da adoção desse modelo.
Atualização de Bens Imóveis
O PL permite expressamente a atualização do valor de bens imóveis de propriedade de pessoa física, adquiridos até 31 de dezembro de 2020. A opção, em princípio, deverá ser realizada entre 1º de janeiro e 29 de abril de 2022, sendo que o ganho de capital será tributado à alíquota de 4%.
Todavia, a opção pela antecipação impede a adoção de quaisquer outras reduções na apuração do ganho de capital.
Tributação de Aplicações Financeiras
Está sendo proposta também uma série de alterações à tributação de aplicações financeiras. Em suma, rendimentos de renda fixa e renda variável, fundos de investimento fechados e fundos de investimento imobiliário passam a ser todos tributados à alíquota de 15%, com revogação de isenções relacionadas, por exemplo, a Fundos de Investimento Imobiliário. Ademais, fundos fechados também deverão passar a ser tributados pelo "come-cotas".
Conclusões
As alterações propostas acarretam mudanças significativas em diversos segmentos e atividades. Diversas alternativas de planejamento sucessório e organização patrimonial são diretamente afetadas pelas medidas, assim como são reduzidos diversos incentivos para a manutenção de investimentos, sejam eles produtivos ou financeiros.
Nos próximos artigos iremos explorar com maior profundidade cada uma das propostas e tentar de algum modo antever possíveis impactos nas respectivas áreas de abrangência. De qualquer modo, é imperativo que a sociedade discuta de maneira equilibrada e esclarecida sobre todas as alterações propostas, pois apesar de o PL estar longe de refletir qualquer rascunho de Reforma Tributária, a verdade é que pode mudar sensivelmente os rumos que pretendemos dar para nossa economia.