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O trabalho híbrido e as tecnologias espiãs

Nos últimos 2 anos passamos por uma profunda transformação no mercado de trabalho, a pandemia forçou um modelo trabalho à distância, que apesar das suas fragilidades, demonstrou que existem alternativas ao modelo tradicional de tempo integral no escritório. A era pós-pandêmica embora ainda esteja se consolidando, parece apontar na direção de um modelo híbrido de trabalho, o que ainda levanta muitas dúvidas nas empresas sobre a gestão dos seus empregados, especialmente em razão das mudanças que foram sendo realizadas na legislação que regulamenta a matéria ao longo do tempo.

As empresas estão buscando alternativas para desenvolver esse modelo híbrido de trabalho e buscam utilizar instrumentos de fiscalização com a instalação de aplicativos nos computadores e aparelhos celulares dos empregados, em alguns casos até mesmo nos aparelhos particulares dos trabalhadores.

Mas qual o limite dessa fiscalização e monitoramento do empregado? Bastaria uma autorização para instalar um App de monitoramento no celular/computador do empregado ou estaria eivada de vício de vontade, pois o empregado teria pouca margem para se recusar? Se o equipamento for da empresa, poderia instalar qualquer tipo de monitoramento, incluindo ligar câmeras e áudio remotamente? O que poderia ser monitorado apenas com a ciência do empregado, ainda que dentro dos limites de respeito à privacidade, e o que dependeria de autorização?

Antes de mais nada é importante lembrar que a intimidade e a vida privada são valores constitucionais, tutelados por várias autoridades no Brasil e no âmbito da relação do trabalho, tem regulamentação legal específica na CLT, que visa resguardar o direito extrapatrimonial do trabalhador, sob pena de indenização . Também a proteção de dados pessoais foi regulada pela Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD, foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como um direito fundamental, assim como foi elevada ao nível constitucional pela Emenda Constitucional No 115/2022. 

Tanto é verdade, que mesmo diante do cenário da pandemia, vários municípios e estados enfrentaram ações civis públicas questionando os compartilhamentos de dados das empresas de telecomunicações com as autoridades de saúde. O próprio IBGE não teve autorização a ter acesso aos dados das empresas de telecomunicações para realizar um censo online, em decisão histórica do STF que julgou inconstitucional a MP 954/2020. Isso porque, sob a égide da calamidade pública, não há que se violar direitos fundamentais do cidadão garantidos constitucionalmente, como a privacidade, cabendo sempre a fiscalização dos critérios de manutenção da privacidade.

É fato que a empresa possui o poder de gestão sobre os empregados, assim como as obrigações de segurança do trabalho, o que lhe confere a possibilidade de direcionar e fiscalizar a execução das atividades laborais. Entretanto, não poderá extrapolar direitos fundamentais dos trabalhadores no exercício de seu poder potestativo e gerencial, sendo que ferramentas de monitoramento e rastreamento incorrem em elevado risco da violação destes direitos. A empresa deverá balancear risco X controle X resultado para adotar quaisquer medidas que possam ferir a privacidade dos empregados.

Neste ponto, vale ressaltar que até pouco tempo não havia regulamentação expressa quanto à possibilidade de controle de jornada de trabalho por aplicativos, enquadrando-se esta modalidade no chamado “sistema alternativo de ponto”, que tinha sua validade vinculada à negociação coletiva para implementação, todavia,  a Portaria nº 671, de 08 de novembro de 2021 instituiu a possibilidade da utilização de  Registrador Eletrônico de Ponto via Programa (REP-P), dando assim maior segurança jurídica às empresas que se utilizam desta metodologia de controle.

Os monitoramentos das atividades dos empregados que incluem ligar câmeras e áudio remotamente, ainda que sob o argumento de gestão da atividade laboral, que é lícito, representam elevado risco de questionamento pela ANPD - Autoridade Nacional de Proteção de Dados ou até mesmo no judiciário. São mecanismos que podem ser considerados como espiões e invasivos, extrapolando o poder de controle do empregador e invadindo a esfera da vida privada do empregado. Além disso, as próprias autoridades trabalhistas, que fazem a custódia dos direitos à vida privada e intimidade dos empregados, que são assegurados constitucionalmente, poderiam fiscalizar essa situação. 

Uma das alegações para justificar o monitoramento de localização dos empregados em regime híbrido, com a coleta dos dados de georreferenciamento dos colaboradores, seria a segurança do trabalho, o que se mostra bastante frágil com alto risco de ser considerada uma medida desbalanceada no cenário risco X controle X resultado. 

Além disso, coletar dados de todos os locais em que o colaborador esteve fora do período da jornada de trabalho, ainda que este tenha ido a locais indevidos ou que violem sua obrigação de trabalho, vai além dos direitos da empresa colocando em risco direitos e liberdades fundamentais do colaborador.

O monitoramento da geolocalização de empregados requer a ciência e autorização expressa e que esteja restrita à jornada de trabalho. Se essa monitoração ocorrer durante as 24 horas do dia, independente da autorização do empregado, a funcionalidade comportará uma violação de privacidade evidente, assim não é aconselhável que a monitoração se estenda para além da jornada usual. 

O monitoramento do colaborador restrito apenas ao horário de trabalho e ao gerenciamento das atividades profissionais atenua parcialmente o risco, desde que sejam tomados alguns cuidados como: (i) realizado apenas para empregados celetistas, pois o acompanhamento de rotina caracteriza controle de jornada de trabalho; (ii) o controle deverá ocorrer com a ciência do empregado; (iii) caso o aparelho seja do colaborador, o controle deve ocorrer em consenso mútuo entre empregado e empregador sendo que será necessária a autorização expressa; (iv) para os casos em que o aparelho é do empregado, deve haver uma possibilidade de desabilitação do monitoramento; (v) o monitoramento não poderá ocorrer apenas para alguns empregados em detrimento de outros, isso deve ser aplicado a todos os funcionários, observado aqueles que possuam cargos de confiança – o procedimento deve se dar de forma distinta para evitar eventual pagamento de horas extras.

Caso o intuito seja monitorar a jornada de trabalho dos colaboradores que atuam remotamente, ressaltando-se que atualmente o controle de jornada de trabalho é obrigatório teletrabalhador que tenha remuneração mensal, em razão da vigência da Medida Provisória nº 1.108/22, ao invés do rastreamento por geolocalização, podem ser adotadas algumas medidas alternativas de menor risco como monitoramento dos computadores utilizados durante o horário de trabalho, através de ferramentas de controle como login e logout, bem como fiscalizar os empregados através de relatórios de atividades diárias, manter comunicação ativa com os funcionários para dar recomendações, cuidados necessários dentre outras formas de controle e conscientização que não envolvam coleta de dados pessoais invasivas e espiãs.

O empregador possui poder de gestão sobre as atividades dos empregados, o que inclui as obrigações de segurança de trabalho e controle da atividade laboral durante a jornada de trabalho. Contudo, há uma linha tênue que deve ser observada ao estabelecer qualquer medida que possa ser atentatória à liberdade individual dos trabalhadores. Em qualquer situação, é sempre importante adaptar os seus códigos de conduta, políticas de segurança da informação e política de privacidade, além de dar ampla transparência aos empregados de quaisquer medidas de monitoramento adotadas. Além disso, evite tecnologias invasivas, que possam atentar contra os direitos fundamentais, os quais não podem ser retirados por termos de consentimento.

*Hélio Moraes é sócio de compliance e proteção de dados e Vanessa Ziggiati é sócia da área trabalhista, ambos no PK Advogados.


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