Por Mustafa Khatib*
A Revolução Industrial foi um grande marco para a origem dos grandes centros urbanos, através do processo de produção em massa, que resultou na redução de custos propiciando uma maior acessibilidade aos seus produtos.
O aumento populacional e crescimento urbano, mudanças dos costumes e melhoria da qualidade de vida têm produzido uma sociedade de consumo com alto poder de descartabilidade, o que amplia diretamente a quantidade total de resíduos sólidos per capta produzidos particularmente nos centros urbanos.
No Brasil, como em outros países em desenvolvimento, outras demandas somam-se à questão ambiental, estas são ocasionadas por deficiências na Gestão dos Resíduos Sólidos Urbanos (GRSU) (PES, 2015).
Essa discussão se estende além da geração dos resíduos, fato irreversível. A problemática acerca dos RSU abrange questões econômicas, ambientais e sociais impactando no agravamento dos indicadores de saúde devido à proliferação de doenças e de emissões de gases nocivos ao nosso meio ambiente.
Uma das alternativas para o equacionamento da tríade aumento populacional / geração / disposição final dos resíduos, é a promoção de incentivos à reciclagem. Embora no Brasil, o Legislativo Federal tenha aprovado em 2010 a nova Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) (BRASIL, 2010), a qual estabelece metas crescentes para a redução de recicláveis dispostos em aterros e defenda adicionalmente o “incentivo à indústria da reciclagem, tendo em vista fomentar o uso de matérias-primas e insumos derivados e materiais recicláveis e reciclados” (art. 7º, VI), o índice percentual de reciclagem, de uma forma geral, ainda é incipiente, apenas 3%. No entanto a capacidade de resíduos que poderiam ser reciclados é de 30% segundo a IPEA (2012).
Apesar do inegável potencial econômico dos RSU, há fatores e condições específicas que emperram o alavancar desta atividade econômica, no qual pode-se destacar:
• o incremento no custo da coleta seletiva comparado com o da coleta convencional, atribuído ao aumento do custo/transporte;
• custo de manutenção de programas de mobilização e sensibilização da população, quanto à correta segregação;
• legislação;
• arquitetura da cadeia e fluxo logístico extensa e confusa envolvendo muitos agentes; e
• dispersão geográfica entre o ponto de coleta e o ponto de segregação e disposição. (ALIGLERI, 2009)
Neste trabalho foi executado um estudo de caso, uma investigação empírica que avalia um fenômeno dentro do seu contexto real, baseado em fontes de evidências, tais como, a documentação, os registros em arquivos, as entrevistas, a observação direta, a observação participante e os artefatos físicos para que beneficie o desenvolvimento das proposições teóricas conduzindo-as para a coleta e análise de dados (YIN, 2015).
O trabalho foi executado em um shopping center no centro de uma cidade do interior do estado de São Paulo. O centro de compras em questão possui localização privilegiada para distribuição e logística posicionadas a apenas três minutos do centro da cidade sede da região administrativa para outros 41 outros municípios vizinhos.
Foi efetuada a classificação e a quantificação de resíduos gerados, antes e após a implantação da terceirização da gestão dos resíduos. Foram avaliados os indicadores econômicos e de eficiência na gestão pré e pós-implantação.
Foram avaliados os aspectos e impactos culturais, bem como a valoração da importância dos resíduos pelos autores diretos da geração (lojistas) antes e após a apresentação dos resultados econômicos e do aumento do valor agregado estabelecido após o processo de terceirização.
Foi estabelecida uma nova arquitetura e hierarquia da cadeia do fluxo reverso. Desde a sua concepção o shopping center avaliado no estudo foi desenhado para possuir uma baia de segregação de resíduos com uma área de mais de 150 m2 dividida em terminais de embarques para veículos, área de estocagem para resíduos sólidos, com contentores e compactador com capacidade de processamento de 17 m3 de resíduos por vez.
Antes da implantação da terceirização, eram processadas cerca de 50 toneladas de resíduos por mês, as quais eram compactados sem segregação. Os resíduos eram transportados até a baia pelos próprios geradores (lojistas) e dispostos em áreas pré-estabelecidas. Naquela altura, catadores e empresas afins, separavam os resíduos de interesse e retiravam do local por conta própria.
Levantou-se as questões referentes aos gargalos na gestão dos resíduos na etapa anterior à implantação da terceirização.
Os principais gargalos para a implantação de um plano de gerenciamento interno de resíduos estão relacionados às questões: organizacional; sistêmica; técnica; econômica; atitudinal; governamental dentre outras.
Sendo assim, a coleta seletiva é a chave do sucesso da logística reversa de pós-consumo, e a redução dos gargalos existentes para sua plena e eficiente aplicação, depende do sucesso de alguns fatores prévios que são:
• oneração das indústrias de reciclagem;
• deficiência da capacidade de reciclagem das cooperativas em relação à demanda;
• carência na área de informações e de tecnologia da informação;
• dificuldade econômica e financeira para arcar com as despesas em infraestrutura deficitária;
• falta de uma cultura e educação pela população em relações a ações ambientais, tais como segmentação do próprio resíduo.
De forma a adequar-se à PNRS e após a avaliação do potencial econômico e do sócio-ambiental da destinação correta dos resíduos, foi efetuado um estudo de redesenho da política interna de segregação do resíduo resultando no Plano de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos (PGIRS).
A partir de então, iniciou-se uma campanha de informação sobre a importância da segregação adequada e disposição dos resíduos, onde os lojistas passaram a separar o material em seus estabelecimentos transportando-os às baias de segregação. Houve então a contratação de mais dois funcionários terceirizados para atuarem na doca, custo acrescentado no montante total pago por cada 17 m3 de material compactado cujo valor médio foi estimado em R$ 14,5 mil segundo a projeção de reajuste para o ano de 2017.
Na análise financeira foi verificada a necessidade de redução do material disponibilizado para o aterro, cujo valor pago por tonelada acrescia cerca de R$ 125 com o valor reajustado para 2017, o que elevava os custos totais mensais em aproximadamente mais R$ 2.500,00.
No total, incluindo-se os reajustes e a contratação dos funcionários em dois períodos de trabalho, os custos totais médios foram elevados de R$ 13 mil com referência a 2016 para aproximadamente R$ 17.500,00 para 2017 com um acréscimo mensal de R$ 4.500,00 a ser partilhado pelo condomínio comercial.
O redesenho da cadeia logística focou então em pontos chaves: a segregação do resíduo, a redução do material destinado para o aterro e, finalmente, a comercialização do material reciclado, com seus retornos financeiros, sendo aplicados na amortização dos custos logísticos do descarte.
A redução do material destinado ao aterro teve um impacto direto nos custos com uma redução média de R$ 800 e R$ 1.100, pagos para a destinação do resíduo no aterro sanitário, para o primeiro e segundo mês, respectivamente. Isso, graças à prática da segregação associada ao direcionamento dos reciclados para destinação correta. Porém, as reduções de despesas não se resumem a isso, uma vez que os resíduos segregados passaram a ser comercializados com empresas de interesse, destacando uma receita global positiva de aproximadamente R$ 1.960,00 para o primeiro mês, valor este que se elevou no segundo mês para aproximadamente R$ 2.890,00.
Do ponto de vista dos benefícios socioeconômicos e ambientais, pode-se ressaltar que a destinação correta dos resíduos faz com que eles deixam de ser dispostos de maneira irregular nos aterros. Materiais recicláveis que não se resumem aos seus valores agregados, mas também, ao seu ciclo de vida na natureza, ao serem reaproveitados e destinados corretamente encurtam o período de absorção do resíduo e a transformação pelo ambiente.
De um modo geral, a logística reversa é vista como um dos itens menos significantes da lista para o lançamento de um novo produto no mercado, em geral os produtores focam sua atenção na viabilidade de produção, nos custos, design e outros estágios do produto. Sendo assim, quando inseridas as opções daquele produto, muitas vezes as empresas optam por embalagens ou produtos one way, em vez de produtos e/ou embalagens retornáveis, tendo em vista sua viabilidade econômica.
A experiência colhida no shopping mostra uma modificação na tendência de produção local. Em parceria com o condomínio a empresa de reciclagem do papel fornece a um produtor regional de material tipográfico, o papel cartão que agora passa a ser beneficiado para produção de capas de cadernos e outros subprodutos.
*Mustafa Khatib é Gerente de Operações do Boulevard Shopping Bauru