Por Léa Lobo

Cinco anos após o auge da pandemia de Covid-19, o mundo do trabalho está longe de voltar a ser como era antes. Enquanto empresas insistem em políticas de retorno ao escritório, um novo estudo britânico revela o que muitos profissionais de Facilities já intuíram: o trabalho remoto e híbrido não é apenas uma preferência moderna — é um catalisador de inclusão social, especialmente para pessoas com deficiência ou com condições crônicas de saúde.
O relatório “Beyond the Office? How Remote and Hybrid Working Can Help Close the Disability Employment Gap”, desenvolvido pelo Work Foundation, Lancaster University, Manchester Metropolitan University e Universal Inclusion, e financiado pela Nuffield Foundation, traz dados contundentes sobre como o modelo de trabalho flexível pode reduzir a lacuna de empregabilidade entre pessoas com e sem deficiência. O documento ouviu 1.221 profissionais com deficiência no Reino Unido, além de realizar entrevistas com empregadores e executivos C-Level.
Hoje, 85% dessas pessoas consideram o trabalho remoto ou híbrido um fator essencial para aceitar uma nova posição. No entanto, menos de 4% das vagas no portal oficial de empregos britânico oferecem essa modalidade. Um abismo entre oferta e demanda que impacta diretamente o acesso ao trabalho digno e sustentável. Um dado simbólico: 80% dos entrevistados em posições totalmente remotas relataram melhora significativa na gestão de sua saúde.
O estudo também mostra que o sucesso do trabalho remoto depende de dois fatores-chave: autonomia e adaptação. Apesar dos avanços legais, como o direito de solicitar trabalho flexível desde o primeiro dia no cargo (lei aprovada em 2023, em UK), ainda há barreiras culturais. Muitas pessoas evitam fazer esse pedido por receio de sofrer discriminação ou de prejudicar sua carreira.
Além disso, nem todo gestor está preparado para implementar as adaptações necessárias. A pesquisa identificou que doenças menos visíveis, como Long-Covid ou distúrbios sensoriais, tendem a receber menos compreensão e suporte.
A consequência? Mais desigualdade e menos retenção de talentos
Se o modelo híbrido está moldando o futuro do trabalho, o setor de Facility, Property e Workplace Management precisa estar na vanguarda dessa transformação. Afinal, somos nós os responsáveis por desenhar ambientes — físicos ou digitais — que acolham, motivem e respeitem todas as pessoas.
Na minha visão, esse estudo é um alerta estratégico para os gestores de infraestrutura: inclusão não é um “plus”, é uma exigência do novo mundo do trabalho. E proporcionar condições reais para que todos possam exercer sua função com dignidade é uma responsabilidade que ultrapassa a fronteira do RH. Passa pela gestão dos espaços, dos contratos, das tecnologias e da cultura organizacional.
Não é só sobre rampa ou acessibilidade arquitetônica. É sobre criar um ecossistema onde o talento de cada indivíduo, com suas singularidades, tenha espaço para florescer — seja em casa, no escritório ou em um modelo híbrido.
E no Brasil? Trabalho remoto, inclusão e os desafios ainda invisíveis
Embora o estudo tenha como foco o Reino Unido, o retrato que ele desenha é espelhado por desafios muito semelhantes vividos no Brasil — com a diferença de que, por aqui, os dados são ainda mais escassos e as políticas públicas, mais frágeis.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua/IBGE), mais de 18 milhões de brasileiros vivem com algum tipo de deficiência. No entanto, o índice de participação dessa população no mercado formal de trabalho continua estagnado há anos, mesmo com a vigência da Lei de Cotas (nº 8.213/91), que obriga empresas com mais de 100 funcionários a reservarem de 2% a 5% de suas vagas para pessoas com deficiência. Aqui vale destacar que no setor de contratação de serviços de limpeza e conservação há uma dificuldade do cumprimento da Lei devido a insalubridade de algumas posições de operação na higienização, devido ao uso de produtos químicos, por exemplo.
Em teoria, o trabalho remoto seria um facilitador para incluir esse grupo. Na prática, poucos empregadores oferecem essa possibilidade de forma estruturada. Um levantamento recente da Talento Incluir, consultoria especializada em diversidade, mostra que menos de 10% das vagas destinadas a pessoas com deficiência no Brasil são remotas ou híbridas.
Nesse cenário, o Facility Management tem papel-chave. A área é responsável por mediar a experiência de trabalho entre pessoas e espaços, e deve se antecipar às necessidades de acessibilidade, conforto, ergonomia e suporte técnico — inclusive no home office. Já imaginou, por exemplo, uma política corporativa que financie mobiliário ergonômico e conectividade de qualidade para colaboradores com deficiência? Isso é tão infraestrutura quanto a manutenção predial.
O Brasil, assim como o Reino Unido, também vive a pressão pelo retorno ao trabalho presencial, especialmente em órgãos públicos e grandes corporações. Mas a pergunta que fica é: esse movimento considera a diversidade de condições e capacidades da força de trabalho?
Enquanto isso, empresas que se antecipam e abraçam o trabalho remoto como ferramenta de inclusão estão não apenas ampliando sua base de talentos, mas também reforçando sua marca empregadora e seu compromisso com a equidade. E isso vale ouro num país onde mais de 40% da população em idade ativa enfrenta algum tipo de barreira para entrar no mercado.
Entre as recomendações do estudo britânico estão:
. Tornar obrigatória a divulgação das opções de trabalho flexível nas vagas;
. Transferir para os empregadores a responsabilidade de iniciar as adaptações para pessoas com deficiência;
. Reformar o sistema de apoio Access to Work, para garantir rapidez, abrangência e portabilidade dos benefícios.
Mais do que diretrizes políticas, esses pontos são um roadmap para gestores que desejam estar um passo à frente. No cenário pós-pandêmico, criar ambientes de trabalho inclusivos será um dos principais diferenciais de competitividade — e de humanidade.
Fonte do Estudo: Florisson, R., Williams, G., Martin, A., Carson, C., Holland, P., Collins, A. & Winstanley, J. (2025). Beyond the office? How remote and hybrid working can help close the disability employment gap. Lancaster University.