Por Fernando Dal-Ri Murcia*
A criação do Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS) foi aprovada em 9 de junho, pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC). A função principal do CBPS será normatizar, por meio de Pronunciamentos Técnicos, à divulgação das práticas de sustentabilidade empresarial, algo que ficou recentemente conhecido como ESG (Environmental, Social and Governance) ou ASG (Ambiental, Social e Governança) na tradução para o português.
O novo Comitê vai interagir com o International Sustainability Standards Board (ISSB), cuja criação foi anunciada pela Fundação IFRS na COP26, realizada em Glasgow em novembro do ano passado.
O objetivo do ISSB será emitir normas globais a serem aplicadas ao redor do mundo. O CBPS, por sua vez, será o normatizador brasileiro responsável justamente por incorporar as normas globais emitidas pelo ISSB no ordenamento pátrio.
Esse formato de normatização, onde um órgão local é responsável pela incorporação de regras internacionais no cenário nacional, não é novidade no Brasil. De fato, para fins da normatização das divulgações das práticas de sustentabilidade empresarial, o formato seguirá o mesmo atualmente utilizado no âmbito de normas contábeis destinadas à elaboração de demonstrações financeiras. Nessa seara, é o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) o órgão responsável por revisar e adaptar as normas contábeis, chamadas de IFRSs, emitidas pelo International Accounting Standards Board (IASB).
A expectativa, portanto, é que esse formato de normatização que deu certo no Brasil – permitindo que desde de 2010 as normas brasileiras de contabilidade estejam convergentes com as normas internacionais adotadas por mais de 120 países ao redor do mundo – seja replicado no âmbitos das divulgações sobre sustentabilidade empresarial.
O CBPS será composto por dois representantes das entidades fundadoras do CPC: ABRASCA, APIMEC BRASIL, B3, CFC, IBRACON E FIPECAFI, e ainda deverá receber indicações de entidades representativas de investidores do mercado de capitais. O CBPS terá 14 membros e quatro coordenadorias, nos moldes consolidados pelo CPC.
A criação do CBPS tem o apoio da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), do Banco Central do Brasil (BCB) e da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC). Serão justamente esses órgãos reguladores, além de outros, os responsáveis por transformar os Pronunciamentos do CBPS em Resoluções, Deliberações etc. aplicáveis as entidades reguladas. De fato, o CBPS não terá poder de enforcement – seja para exigir, fiscalizar ou punir – aqueles que não apliquem adequadamente suas normas. Tal função caberá aos reguladores locais interessados em exigir divulgações sobre sustentabilidade empresarial em linha com as normas internacionais sobre o tema.
Ressalte-se que já existem duas normas colocadas em audiência pública pelo ISSB, uma que estabelece os requisitos gerais de divulgação relacionados à sustentabilidade e o outraque especifica os requisitos de divulgação relacionadas ao clima.
A normatização e a regulação da divulgação de informações ESG são muito bem-vindas. Apesar de não ser algo novo, o tema da sustentabilidade empresarial tem ganhado a atenção das empresas, do mercado e da sociedade como um todo nos últimos anos. Contudo, parte dos agentes tem adotado uma postura bastante cética sobre as divulgações realizadas pelas empresas. Isso ocorre principalmente em razão de prática conhecida como “greenwashing”, uma espécie de maquiagem verde na qual a empresa se promove como sendo sustentável – mas a prática empresarial efetiva é muito distinta do discurso.
Neste contexto, a normatização sobre o tema – acompanhada de processos de revisão e auditoria para garantir a fidedignidade da informação – ajudará o mercado a separar o “ESG Real” do “ESG Fake”.
Fundamental igualmente serão as iniciativas educacionais sobre sustentabilidade. Os profissionais envolvidos – de executivos responsáveis pela preparação das divulgações aos analistas responsáveis pela avaliação das empresas – precisarão, necessariamente, sertreinados para este novo paradigma informacional.
Os bancos escolares tradicionais não preparam os profissionais para esse desafio. Por outro lado, a educação dos nossos filhos e netos seguramente levará em conta essa nova demanda da sociedade e do mercado como um todo. Afinal a tendência é secular e o ESG veio para ficar. Vem em boa hora, portanto, a criação do ISSB e do CPBS no cenário brasileiro.
*Artigo de Fernando Dal-Ri Murcia: professor e diretor da FIPECAFI Projetos, professor do Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais da Universidade de São Paulo - FEA/USP e Doutor em Contabilidade e Controladoria pela USP. É colunista do Denarius (Boletim Econômico Financeiro da FIPECAFI Projetos).
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