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Tecnologias para a governança smart

Nesta segunda reportagem sobre cidades inteligentes, garimpamos algumas das mais inovadoras soluções nas áreas de sustentabilidade, conectividade e mobilidade

Por Érica Marcondes

Na última edição da revista INFRA, demos um start no tema das smart cities ou “cidades inteligentes”. Naquela introdução, mostramos o potencial deste conceito e a sua relação com as atividades de Corporate Real Estate e Facilities Management. Afinal, estamos falando de um conjunto de tecnologias integradas para melhorar a infraestrutura e tornar os centros urbanos mais eficientes e melhores de se viver.

Quem conferiu a matéria pôde saber mais detalhes sobre a Granja Marileusa (projeto urbanístico voltado para a convivência, com tecnologia de ponta e localização privilegiada em Uberlândia/MG) e sobre a primeira cidade inteligente social do mundo – a Smart City Laguna –, que está sendo desenvolvida para 25 mil pessoas no distrito de Croatá, em São Gonçalo do Amarante (CE), Região Metropolitana de Fortaleza.

Na reportagem desta edição, vamos lançar novos olhares para o assunto e compartilhar algumas das mais novas soluções tecnológicas nas áreas de sustentabilidade, conectividade e mobilidade. As novidades ganharam os holofotes no Smart City Expo World Congress Curitiba 2018, edição brasileira do maior evento de cidades inteligentes do mundo, que aconteceu em 28 de fevereiro e 1º de março, na capital paranaense.

Luxo ou necessidade?

Mas, antes de tudo, é preciso levantar algumas questões pertinentes a respeito das cidades inteligentes. A primeira delas é desmistificar que se trata de luxo. Quem defende é Daniel Merege, cofundador e CEO da CityTech, empresa de tecnologia que surgiu a partir de uma pesquisa global sobre o desenvolvimento de Cidades Inteligentes realizada por ele em 2014. Ao longo de oito meses, Daniel passou por mais de 15 países e visitou 60 cidades na Austrália, Sudeste Asiático, Índia, Oriente Médio e Europa, descobrindo o poder que um ecossistema estruturado de inovação urbana tem para revolucionar as cidades no mundo, independentemente de seu tamanho.

“Percebo que ainda estamos tratando as tecnologias urbanas como artigo de luxo, em vez de tratar como solução real para as necessidades das cidades e das pessoas que as habitam e as habitarão no futuro. Digo ‘luxo’ porque aparentemente os governos hesitam em investir dinheiro nessas novas tecnologias por entenderem muitas vezes que é coisa de países ricos, desenvolvidos, e que existem coisas ‘mais’ prioritárias. Mas porque, então, continuar gastando o mesmo dinheiro (ou até mais) para retroalimentar um sistema/infraestrutura que já não atende a atual população, e que entrará em colapso quando o número de pessoas aumentar?”, questiona ele.

Um segundo ponto é que as cidades referências no assunto precisam ser vistas apenas como referências, de fato. “Não basta querer copiar uma solução pronta de outro lugar, sem considerar o contexto e a realidade local daquelas que desejam se tornar inteligentes. É preciso, de maneira sincera, colocar o cidadão no centro dessa transformação, e entender o que de fato traz mais qualidade de vida para ele. Portanto, utilizar das tecnologias já existentes para ouvir o que uma determinada comunidade precisa para seu bem-estar é ponto de partida”.

Em terceiro, está a diferença entre: “cidades inteligentes”, “nações inteligentes” e “cidades felizes”. Ao participar do 4º Fórum Mundial de Internet das Coisas e Cidades Inteligentes do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE), em Singapura, no início de fevereiro, Merege verificou um fato interessante nesta análise: estamos assistindo à migração da ideia da tecnologia urbana pura e simples aplicada aos serviços públicos, para uma ideia de utilizar essa implantação de tecnologia para trazer felicidade às pessoas por meio da transformação de suas relações no ambiente urbano, ou seja: os fins e os meios estão, finalmente, ocupando suas reais posições.

“‘Nação inteligente’ e ‘cidade feliz’, apesar de terem suas diferenças conceituais, estão colocando o cidadão no centro de toda essa transformação urbana, o que não é tão verdade quando falamos especificamente de ‘cidades inteligentes’. Esse é o ponto mais relevante dessa diferença. Globalmente, parece que estamos atingindo um ponto de maturidade nos debates sobre cidades inteligentes: o que importa mesmo é o valor que essa tecnologia traz para a vida dos cidadãos, e não para a tecnologia em si”, explica ele ao defender o papel crucial dos empreendimentos privados e dos gestores prediais dos mais diversos segmentos no avanço do conceito das cidades inteligentes aqui no Brasil. “Vejo os prédios como minicidades onde essas tecnologias trazem ganhos tangíveis e intangíveis, podendo servir de modelos bem-sucedidos para o poder público e a comunidade em geral. É extrapolar o perímetro, o entorno”, aponta Daniel Merege.

Aproximação entre governos e empresas

Quem compartilha da ideia que traz essa aproximação é Fabio Sertori, sócio da equipe de infraestrutura e energia do Cascione, Pulino, Boulos & Santos Advogados. De acordo com ele, a cidade inteligente entendida como a que usa eficientemente seus recursos ainda é uma utopia no Brasil: “A tradição patrimonialista e burocrática dos nossos governos não ajuda na busca de soluções inovadoras e disruptivas, que maximizem os recursos dos impostos em bem-estar coletivo. No entanto, há avanços como o novo marco legal da inovação, regulamentado recentemente no âmbito federal e que busca fomentar o empreendedorismo inovador seja nas empresas seja nas universidades públicas. Espera-se que ele gere uma aproximação entre governos e empresas inovadoras e soluções para a melhoria da qualidade de vida nas cidades”.

Questionado sobre como os profissionais envolvidos com Facilities Management estão inseridos neste contexto, e de que maneira podem contribuir para o sucesso das smart cities, Fabio comenta que muitas das inovações e tecnologias que tornam a vida nas cidades mais inteligente vêm do esforço dos profissionais que pela organização do convívio em suas comunidades, por meio do emprego inteligente da tecnologia para, por exemplo, aumentar a segurança dos condôminos e das pessoas que circulam pelas ruas do entorno, na organização da coleta e destinação dos resíduos, em soluções para a economia no consumo de água e energia, enfim, em diversas das áreas prioritárias na pauta de qualquer cidade que se pretenda inteligente”.

O desafio está em aprender a se relacionar com o poder público, acessando fontes de recursos públicos para o desenvolvimento de soluções inovadoras, fornecendo essas soluções aos governos (tê-los como clientes), ganhar escala.

Conexão Berrini

Veja este exemplo concreto de como as iniciativas privadas podem ajudar a melhorar as cidades e, ao mesmo tempo, ser inspiração para outras esferas da sociedade. Fruto de uma ideia bem simples – reunir cidadãos interessados em fazer da Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini (e seu entorno), na Zona Sul de São Paulo, uma região cada dia mais bonita, segura, agradável e moderna – o Conexão Berrini foi criado há um ano e meio e reúne empresários, líderes de comunidade, membros de associações, policiais, funcionários da prefeitura, Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e cidadãos interessados em fazer do bairro um local cada vez mais civilizado e humano, conta Luciano Menezes, Co Founder & Bus Development do World Trade Center Business Club e Líder do projeto Conexão Berrini.

Com essa mescla heterogênea de membros, somada a uma atitude sempre positiva, eles revelam já ter atingido resultados bastante interessantes, como o programa de integração de câmeras de diversos prédios, criação da Praça Cidade Jardim, treinamentos para taxistas e manobristas (com noções básicas de inglês para receber os turistas), limpeza da Ponte Estaiada e construção da ciclovia de 2,5 km em toda a extensão da Avenida – muito utilizada pelos empresários e profissionais que trabalham na região; Luciano mesmo utiliza a bicicleta alguns dias da semana para realizar o percurso da sua casa, próxima ao Parque do Ibirapuera, para o trabalho.

No rol dos projetos em andamento, é possível citar: coleta organizada de lixo entre diversos prédios, intervenções que podem melhorar o trânsito (como uma virada livre da Berrini para a avenida Morumbi) e articulação para instalação de um batalhão da Polícia Militar (PM) em um terreno já adquirido. O projeto é do renomado escritório de arquitetura Aflalo/Gasperini Arquitetos e os recursos para a construção serão via crowdfunding.

“No Conexão Berrini nunca se cobra do Estado a resolução de todos os problemas. A pergunta é sempre ‘como podemos ajudar o Estado a tornar nosso bairro ainda melhor?’ O espírito nunca é de apontar culpados, mas sempre de cooperação”, resume Luciano.

As reuniões são mensais e os interessados em conhecer melhor o projeto e até mesmo participar podem entrar em contato através do e-mail: [email protected] ou telefone: +55 11 2142-2299. Veja também: www.conexaoberrini.com.br.

Vitrine de soluções tecnológicas e sustentáveis

A verdade é que as cidades nunca estiveram tão populosas. Mais de metade da população mundial já vive em centros urbanos e, segundo estimativas da ONU, até 2030, esse percentual deve subir para 70%. Com tantas pessoas aglomeradas, é urgente lançar mão de soluções voltadas para se trabalhar questões como trânsito, poluição, mudanças climáticas, gestão de resíduos, segurança, saúde e bem-estar.

Garimpamos algumas soluções pelo mundo e outras que foram vitrine no Smart City Expo World Congress Curitiba 2018. Veja:

Rampa com sensores

Inaugurado em 2015 para substituir o prédio que existia desde a década de 1850, o novo Museu de História Natural de Xangai conta com uma grande rampa em espiral que dá forma à edificação. A novidade, segundo divulgou a Forbes, é que a rampa tem sensores que permitem avaliar o fluxo e o comportamento dos visitantes no prédio. O projeto é do escritório Perkins+Will.

Medição e configuração da rede elétrica

A Companhia Paranaense de Energia (Copel) exibiu soluções para otimizar a medição e a configuração da rede elétrica. Um dos projetos é a instalação de 15 mil medidores de energia na cidade de Ipiranga (PR), que permitirão coletar as informações sobre o consumo de energia remotamente, sem a necessidade de deslocar profissionais para fazer a leitura. O projeto segue o modelo de grandes redes inteligentes internacionais presentes nos Estados Unidos e no Japão.

Outra atração foi a instalação de equipamentos de automatização de rede, que poderão identificar quedas de energia rapidamente, com religamento automático e sem a intervenção de um operador. Quando ocorre uma falha permanente, o sistema isola o trecho atingido e redireciona a energia para o maior número possível de consumidores.

Produção de energia limpa e renovável a partir do biogás

A Itaipu Binacional apresentou alguns de seus projetos de maior impacto no campo da produção de energia limpa e renovável, bem como na mobilidade elétrica. Há quase dez anos, em parceria com diversas instituições, ela vem estimulando na Região Oeste do Paraná a produção de energia a partir do biogás, que é obtido com o tratamento de dejetos da agropecuária. Essa fonte energética pode ser utilizada tanto para a produção de eletricidade como para energia térmica ou veicular. Além de eliminar a produção de gases efeito estufa, o processo tem como subproduto o biofertilizante.

Esse sistema já é utilizado em cooperativas, agroindústrias e granjas dedicadas à suinocultura e à pecuária de leite; e pode, também, ser aplicado no tratamento de esgotos urbanos, transformando um problema (a poluição) em solução (energia limpa e renovável).

Mobilidade elétrica

Outro projeto da Itaipu Binacional diz respeito à pesquisa e desenvolvimento de veículos elétricos, bem como no armazenamento de energia (baterias). A Binacional, inclusive, acaba de inaugurar o Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Montagem de Veículos Elétricos (CPDM-VE), com mais de três mil metros quadrados de área construída e que conta com laboratórios, oficinas, ferramentaria e showroom, entre outros espaços voltados à pesquisa e inovação, em Foz do Iguaçu.

Na exposição, a Itaipu demonstrou dois veículos totalmente elétricos: o Zoe e o Twizy, criados em parceria com a Renault. O Zoe é o maior, com espaço para cinco pessoas, autonomia de 300 km e capacidade de carregar totalmente suas baterias em duas horas e quarenta minutos em estação especializada. Ele vem equipado com um sensor anticolisão que usa informações do computador do carro e de uma câmera especializada para alertar o condutor quando esse se encontra distraído.

Já o Twizy tem espaço apenas para o motorista e um passageiro atrás dele. Com tamanho bem reduzido, é capaz de andar 100 km e recarregar suas baterias com três horas e meia de conexão em qualquer tomada 220 V, ou sete horas em uma tomada 110V. Os dois carros já foram homologados no Brasil e estão sendo vendidos para algumas empresas

Maior fluidez do tráfego e controle da segurança

Outra empresa que apresentou as suas soluções durante o evento foi a Engie. A meta do grupo é atingir em dois anos um faturamento de R$ 1 bilhão em soluções para cidades, serviços de eficiência energética e geração solar distribuída.

O Diretor Comercial e de Inovação, Gabriel Mann, diz que o objetivo é dar suporte à gestão integrada, conectada, inteligente e eficaz das cidades, com menor consumo de energia, maior fluidez do tráfego, melhor controle de questões de segurança, entre outros itens que tenham impacto positivo na qualidade de vida da população.

Um exemplo de sucesso é o sistema de semáforos inteligentes instalado em Niterói (RJ), que mede o fluxo de veículos por meio de câmeras e determina o tempo de abertura e fechamento dos sinais a cada cruzamento.

A rede de 190 semáforos inteligentes é operada remotamente de um centro de controle por meio de um software, o Maestro, que foi totalmente desenvolvido pela Engie Brasil e é capaz de monitorar várias frentes simultaneamente – câmeras, sensores de velocidade, iluminação, entre outros.

“Já há uma redução dos congestionamentos na cidade, com reflexo na redução da poluição e das emissões de gás carbônico”, afirma ele. A ideia é levar o projeto de semáforos inteligentes para mais duas cidades neste ano.

Iluminação pública inteligente

Outra solução da Engie é voltada para iluminação pública inteligente – que pode abarcar no mesmo poste soluções de monitoramento por câmeras e internet, além do controle remoto das lâmpadas. No mundo, o grupo opera 1,5 milhão de pontos de iluminação. “Estamos interessados nesse segmento e estudamos entrar em Parcerias Público-Privada (PPPs) em algumas cidades, como Salvador, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Teresina”, completa Gabriel Mann. A empresa pretende investir também em pontos de carregamento de carros elétricos, à medida que esse mercado amadureça no País.

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