Por Érica Marcondes
Imagine que, essa manhã, o despertador de seu celular tocou dez minutos antes do habitual. O acesso a algumas regiões da cidade está fechado por causa dos preparativos para uma badalada festa de fim de verão, por isso se espera que os congestionamentos sejam maiores que o normal. Vai ter de pegar o ônibus mais cedo para chegar a tempo ao trabalho.
A hora do alarme se adapta a sua sequência de rituais matutinos, controlada diariamente por seu relógio inteligente, e leva em consideração a previsão do tempo (se espera chuva às 7h) e o dia da semana (é segunda-feira, e o trânsito sempre é pior). O celular volta a tocar. É hora de sair.
Enquanto caminha em direção ao ponto de ônibus, seu celular sugere um pequeno desvio. Por alguma razão, a praça que você costuma atravessar está cheia de gente nesta manhã. Pelo caminho, você passa pela sua padaria favorita, e seu celular propositalmente deixa de avisar que hoje ela está oferecendo 20% de desconto. Afinal de contas, você tem pressa.
Depois de sua caminhada, você se sente zerado e cheio de energia. Faz log-in no ponto de ônibus, dotado de conexão Wi-Fi e bluetooth, e o motorista do próximo ônibus é informado. Ele já sabe que há 12 passageiros esperando, o que significa que, se for possível, terá que aumentar ligeiramente a velocidade para que todos tenham tempo de subir. A empresa de ônibus também recebeu um aviso, e já está acionando um veículo adicional para atender à forte demanda ao longo do seu trajeto. Enquanto você espera, repara em um pai com duas crianças pequenas, que se entretêm com o sistema de informação com tela tátil instalado no ponto.
Quando o ônibus chega, o embarque é feito com fluidez. Quase todos os passageiros usam bilhetes armazenados em seus celulares, então a perda de tempo se limita a um caso de pagamento em dinheiro. No ônibus, você saca um tablet da bolsa para ficar a par de diversas notícias e dos seus e-mails, usando o Wi-Fi de bordo, gratuito. De repente, percebe que esqueceu de carregar o celular, então o conecta ao ponto de carga USB que há junto ao seu assento. Embora o tráfego seja muito lento, você consegue preparar a maioria dos seus e-mails de trabalho, então o tempo de viagem não foi perdido.
Você desce do ônibus na frente do seu escritório, e minutos depois seu chefe lhe informa sobre uma visita imprevista a um determinado lugar, por isso, você faz reserva em um programa de aluguel de veículos por horas. Pede um carro para o mesmo dia, com uma bicicleta dobrável no porta-malas.
Seu destino fica bem no centro da cidade. Por isso, quando chega em um bairro próximo, você deixa o carro compartilhado em um estacionamento e pega a bicicleta com a qual passará o resto do dia, economizando tempo e evitando congestionamentos. Seu aplicativo de deslocamentos lhe dá instruções pelo fone de ouvido bluetooth e oferece conselhos sobre como adaptar a velocidade na bicicleta a sua condição física. Como você sofre de asma, o aplicativo sugere uma rota que evita uma área especialmente poluída.
Esse relato feito por Marcin Budka, pesquisador principal de Ciência de Dados da Universidade de Bournemouth (Reino Unido), ao jornal espanhol El País em julho de 2017, é um exercício de imaginação sobre um dia na vida de um trabalhador de uma cidade inteligente (do inglês, smart cities), um conjunto de tecnologias integradas para fornecer ao cidadão os meios para que sua vida se torne mais segura, rápida e barata.
Daí você pensa: “isso está muito longe de acontecer!”. E é aí que você se engana. Como Budka mesmo cita em seu artigo, a maioria dos dados necessários para que esse dia se torne realidade já estão sendo colhidos. Veja seu celular, por exemplo: ele é capaz de determinar a sua localização, a sua velocidade e até o tipo de atividade que você está fazendo.
E essa é apenas uma das tecnologias que devem ser responsáveis por engrossar o potencial de mercado de US$ 1 trilhão na América Latina quando falamos em soluções de conectividade para cidades inteligentes, segundo estimativas da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).
Na prática, é o conceito das cidades inteligentes – um conjunto de tecnologias integradas para fornecer ao cidadão os meios para que sua vida se torne mais segura, rápida e barata – três pilares das atividades de Corporate Real Estate e Facility Management.
Mas, então, o que os profissionais gestores de edificações de todos os tipos (galpões, escritórios, hospitais, prédios corporativos, shoppings, universidades etc.) precisam fazer para estar preparados para as cidades inteligentes?
Na visão de Vik Bangia, CEO da Verum Consulting, um inovador estrategista de Corporate Real Estate reconhecido em diversos países, “os Facility Managers deveriam adotar a tecnologia da Internet das Coisas (Internet of Things – IoT), porque, dentro de cinco anos, ninguém poderá dizer que não esperava as mudanças que estão por vir. Em outras palavras, os FMs precisam trocar o foco operacional tradicional pelo tecnológico e estratégico. E isso se aplica a todos os tipos de propriedades porque a tecnologia IoT afetará tudo: a forma como compramos, como comemos, como nos deslocamos para o trabalho, como cuidamos da nossa saúde, onde e como aprendemos e o que criamos em nossos negócios e indústria”, explica o executivo, que recentemente esteve no Brasil para uma palestra sobre o assunto na reunião da CoreNet, em São Paulo.
A recomendação de Bangia é ficar antenado no assunto, especialmente às comunidades inteligentes que estão surgindo em outras partes do mundo, o que faz com que elas sejam empreendimentos de sucesso e quais são as dificuldades enfrentadas. “Reserve um tempo para entender o que empresas como a Uptake Technologies (sediada em Chicago) e outras estão fazendo a respeito da automação predial, análise preditiva e IoT. Os avanços tecnológicos na área de FM são impressionantes”, ressalta ele, que acredita que o conceito de cidade inteligente se sairia bem em um país como o Brasil se este mantiver o foco no “fator bem-estar”. No que diz respeito aos imóveis comerciais, isso incluiria a implementação das normas Delos para edificações que possuem a certificação WELL. Lembrando que a Norma Delos (Delos Standard) é basicamente a promoção do bem-estar levando-se em consideração aspectos como iluminação, acústica, qualidade do ar interior, conforto térmico, nutrição, fitness e o bem-estar do corpo e da mente. Em resumo, o foco deve estar na melhoria da vida das pessoas, estejam elas trabalhando, estudando, se divertindo ou realizando qualquer atividade.
Desafios pela frente
Se os benefícios são muitos, há também os desafios pela frente. E, segundo o CEO da Verum Consulting, o maior deles é o alinhamento das partes interessadas – fazer com que todas estejam de acordo em relação a questões como suporte, financiamento, adesão e comprometimento. As comunidades ao redor do mundo que estão lutando para iniciar uma iniciativa de cidades inteligentes geralmente enfrentam dificuldades com dirigentes municipais que estão em desacordo com o conceito e uns com os outros. A parte que envolve a política pode dificultar muito no início.
Outro desafio é a infraestrutura precária: “a infraestrutura de transporte de uma cidade pode ser um impedimento para o sucesso da aplicação do conceito de cidade inteligente. Eu citaria Denver, Colorado, nos Estados Unidos, como exemplo de uma comunidade que teve sucesso tanto no alinhamento das partes interessadas quanto no desenvolvimento de uma infraestrutura de transporte que proporciona melhor mobilidade e é necessária para o desenvolvimento do conceito. Acho que ambos são pontos a serem considerados para São Paulo”.
Mas por que então este é um ótimo momento para quem atua com Corporate Real Estate e Facility Management? A explicação de Bangia está no fato de que as corporações finalmente entenderam a conexão entre CRE e a experiência do funcionário; as empresas estão vendo os benefícios da modernização de seus ambientes corporativos. E isso inclui tudo, desde espaços de trabalho físicos, digitais até tecnologia IoT, ferramentas de colaboração e programas de bem-estar de funcionários.
“Se aqueles que trabalham com Corporate Real Estate e Facility Management puderem estar à frente dessa tendência global, o futuro será muito emocionante. E acredito que o futuro seja agora”.
Primeira cidade inteligente social do mundo – no Ceará
No Brasil, já existe um exemplo concreto de smart city. Ou melhor: a primeira cidade inteligente social do mundo. Voltada para 25 mil pessoas, a Smart City Laguna está sendo desenvolvida no distrito de Croatá, em São Gonçalo do Amarante (CE), Região Metropolitana de Fortaleza.
Durante o 7º Seminário sobre Comunidades Planejadas, Loteamentos e Desenvolvimento Urbano (Complan), realizado no final do ano passado pela Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil (ADIT Brasil), na Universidade de Negócios UniAlgar, na Granja Marileusa (um bairro planejado de Uberlândia/MG – veja os detalhes no quadro da pág. 24), a INFRA conversou com a Diretora Geral da SG Desenvolvimento, Susanna Marchionni, sobre o empreendimento que traz o conceito “Viver além de morar” ao unir inovações, tecnologia, sustentabilidade, planejamento urbano moderno e soluções de mobilidade em um só lugar. O desenvolvimento está a cargo do Grupo Planet, formado por empresas inglesas e italianas.
Tendo como parceiras empresas multinacionais como Tim, Enel, Samsung, Arup e StarBoost, a Smart City Laguna terá uma área total de 330 hectares, sendo aproximadamente 480 mil m2 de área verde distribuídas por toda cidade, e será composta por 7.065 lotes, sendo 6.009 residenciais, 920 do polo comercial e de serviços, e 136 do polo tecnológico e empresarial. Todos os lotes da cidade inteligente serão 100% saneados e pavimentados.
Ao todo, serão investidos US$ 50 milhões e o projeto tem como objetivo ajudar a suprir o déficit habitacional de uma região apontada por estudos como uma área de grande potencial e desenvolvimento no mundo, onde está inserido o Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp); além de, ao mesmo tempo, apresentar ao mundo um inédito modelo referencial para novas cidades, com expectativa e estrutura para comportar cerca de 25 mil pessoas.
Financiado com recursos próprios, o empreendimento é uma realização da empresa brasileira SG Desenvolvimento. A primeira etapa foi entregue em dezembro de 2017, com previsão de conclusão em 2021.
De acordo com Marchionni, o local escolhido para a construção da Smart City Laguna é um celeiro de oportunidades, pois está inserido em uma das regiões mais prósperas do Brasil. “Sem dúvida alguma, o projeto está provocando um despertar em todo o mercado imobiliário brasileiro, atingindo positivamente o poder público na forma de desenvolvimento das cidades, além de alcançar certa visibilidade internacional, conduzindo o Ceará a um cenário urbano mundial”, afirma.
As moradias da Smart City Laguna são acessíveis a todas as faixas de renda. O Grupo Planet aplicará o conceito da “convivência colaborativa”, ainda inédito no Brasil. “Ela consiste em estimular o desenvolvimento de uma cultura voltada para a economia doméstica e coletiva. O cidadão dispõe de uma estrutura social, com ferramentas que proporcionam mecanismos de compartilhamentos e interações geradoras de economia e qualidade de vida”, destaca a Executiva.
Sustentabilidade
Na sua essência conceitual, o empreendimento propõe o desenvolvimento e patrocínio de ações sustentáveis, bem como o implemento de tecnologias que estimulam e permitem, na medida do desenvolvimento habitacional do núcleo urbano, que a própria sociedade seja a propulsora da sustentabilidade nos quatro pilares de sustentação que o projeto preconiza para uma cidade inteligente social: 1. Pessoas; 2. Planejamento urbano e arquitetura, 3. Tecnologia e serviços; e 4. Meio ambiente.
Os moradores da Smart City Laguna contarão com sistemas de aproveitamento das águas pluviais, serviços de mobilidade, coleta inteligente de resíduos, energia solar, monitoramento da qualidade do ar e da água, infraestrutura digital com wi-fi grátis nas áreas institucionais da cidade, redes inteligentes de eletricidade e água, câmeras e sensores, totens interativos e iluminação pública inteligente. Já na questão alimentícia, a cidade contará com hortas compartilhadas e já possui um aplicativo, o Planet App, desenvolvido para os moradores com o propósito de gerar interatividade, economia e qualidade de vida para todos.
Mobilidade urbana
Ainda de acordo com Marchionni, todo o projeto urbanístico foi planejado para o presente e projetado para o futuro: “Dentro do projeto, contamos com um cinturão verde distribuído por todo o empreendimento, implantação das vias públicas no sentido de proporcionar plena fluidez no trânsito, com ciclovias por todo empreendimento, além de calçadas largas com total acessibilidade, ligações domiciliares de água e esgoto já na área privativa dos lotes, drenagem profunda total, terraplanagem observando os mais altos padrões técnicos e pavimentação em piso de concreto intertravado com alto grau de resistência”, explica.
Na área da arquitetura urbanística, a Smart City Laguna contará com áreas verdes em toda a extensão, locação de espaços institucionais observando um perímetro onde o morador esteja em média a 400 metros de distância, além de um projeto de fluidez e segurança no trânsito, com destaque para ciclovias em todo o equipamento.
Com relação ao polo tecnológico e empresarial, a Smart City Ecopark, a infraestrutura inclui pavimentação em blocos de concreto intertravado de alta resistência, rede elétrica e de iluminação pública, sistema de drenagem de águas pluviais e rede de água e esgoto. O empreendimento foi planejado para receber empresas com propostas sustentáveis e economicamente positivas, e será separada das áreas residenciais e comerciais por um cinturão verde.
São cuidados que têm tudo a ver com a afirmação do consultor Vik Bangia, sobre o foco na saúde e no bem-estar das pessoas. Afinal, segundo ele, sem um ecossistema comunitário, as cidades inteligentes são apenas um projeto caro de tecnologia.
Dica da Redação: se você se interessou pelo tema, saiba que Curitiba sediará o maior evento de cidades inteligentes do mundo. Será entre os dias 28 de fevereiro e 1º de março de 2018, para falar sobre tecnologia disruptiva, governança, inovação digital e cidades sustentáveis do futuro, num modelo já chancelado pela Fira Barcelona Internacional. Saiba mais em: www.smartcityexpocuritiba.com
Granja Marileusa: um lugar onde se mora, vive e trabalha
O bairro Granja Marileusa, em Uberlândia (MG), foi estruturado de forma a devolver às pessoas o convívio entre elas. Um empreendimento aberto, com local de trabalho, comércio, educação, serviços, residência, hotéis e inúmeros espaços de convivência, como restaurantes, parques e grandes áreas verdes.
O projeto começou a ser construído em 2013. A primeira etapa consistiu na edificação de toda infraestrutura da primeira centralidade do bairro, que já conta com empresas em funcionamento, empreendimentos residenciais e comerciais.
Nesses quatro anos foram entregues: 200 casas dos condomínios Village Paradiso 1 e 2, um loteamento do Alphaville Uberlândia 1 com aproximadamente 400 lotes, três edifícios corporativos para aproximadamente três mil funcionários, um shopping de rua com restaurantes, farmácias, laboratórios, serviços, lojas, entre outros; e a Casa Garcia, um empreendimento com centro de convenções e eventos. Para os próximos meses, estão previstas as entregas do Alphaville 2, a Universidade de Uberaba (Uniube) – com 1,1 mil alunos – possibilitando parcerias com empresas nos diversos cursos e área de inovação. Vale mencionar ainda que, para atrair novos negócios, o bairro foi homologado como o primeiro micro polo tecnológico de Uberlândia, tornando o local mais atraente para as empresas de tecnologia se estabelecerem, uma vez que terão uma série de incentivos fiscais.
Para atender quem trabalha ou transita pelo bairro, foi instalado em uma das avenidas do Granja Marileusa um ponto de ônibus funcional, que disponibiliza aos usuários totem com monitor integrado ao sistema de monitoramento do transporte público municipal, através do qual o usuário poderá visualizar os horários nos quais o veículo estará nos pontos. Há também tomadas USB disponíveis para carga de aparelhos celulares e Wi-Fi no entorno dos pontos. A unidade já instalada corresponde a um projeto-piloto, com o qual se espera contribuir para a melhoria da qualidade do mobiliário e do espaço urbano no bairro.