Por Larissa Gregorutti
Apesar de 17% da população mundial, ou seja, quase 1,3 bilhão de pessoas ainda não terem acesso à eletricidade, e mais da metade da população mundial, aproximadamente 4 bilhões de pessoas, viverem em países em desenvolvimento sem acesso à internet, segundo relatórios do Banco Mundial e da Comissão de Banda Larga da ONU, é fato que estamos vivendo um momento de ruptura, em que as tecnologias emergentes e as inovações generalizadas são difundidas muito mais rápida e amplamente do que as anteriores.
Nesse momento, Marina Miranda, Diretora da Crowd Envisioning, acredita que é essencial “reavaliar como enxergamos o mundo e como vamos planejar nosso futuro”, por ocasião da sétima edição do REthink Business, que aconteceu em outubro deste ano e que proporcionou discussões sobre o tema Growth and future making. Entre os assuntos abordados, estão Big Data, Inteligência Artificial (IA), o futuro do trabalho, Initial Coin Offer (ICO – “oferta inicial de moedas”, em português) e o futuro do dinheiro, e a transformação digital.
Acompanhe como as tecnologias emergentes poderão revolucionar os modelos de negócios em até dez anos, e seja você em 2018, um agente de transformação digital dentro da sua empresa.
Tecnologias que estão mudando a indústria
“O que torna a quarta revolução industrial fundamentalmente diferente das anteriores é a fusão dessas tecnologias e a interação entre os domínios físicos, digitais e biológicos”, afirma Klaus Schwab, Fundador e Presidente Executivo do Fórum Econômico Mundial em seu livro A quarta revolução industrial (Edipro, 2016). Além disso, todas as tecnologias que estão em desenvolvimento, recebem o reforço da capacidade digital e beneficiam-se umas das outras, conforme veremos nas tecnologias citadas a seguir.
• Carros autônomos: veículo com capacidade de transportar bens e pessoas sem a necessidade de um motorista, possui tecnologia que se conecta automaticamente com a Internet das Coisas (em inglês, Internet of Things – IoT). Segundo Ralph Peticov, Cofundador e Experience Designer do Hack Town, apesar da descrença das pessoas em aceitar circular nesse novo veículo pelas cidades, ele acredita que em pouco tempo, o uso de carros autônomos será imposto pelos governos. “Isso deve acontecer por uma questão obvia, quem causa os acidentes são as pessoas e não os carros, mas quem paga a conta para fazer estradas, gerenciar o trânsito, pela poluição e acidentes são os governos”.
Além disso, Peticov explica que a forma como vemos o carro hoje vai mudar completamente entre cinco e dez anos. “70% da energia gasta por um automóvel hoje é para carregar itens de segurança, que servem para nos proteger de nós mesmos. Então a forma como vemos um carro, com dois faróis, duas lanternas, cintos de segurança, provavelmente não vai existir mais, porque essa forma vai se tornar desnecessária”, pontua o painelista.
Um exemplo disso, é o modelo de carro autônomo criado pela Google em 2009, que é completamente diferente do modelo desenvolvido hoje. Inclusive, no modelo apresentado pela Tesla hoje, quase não se vê os sensores no veículo.
• Realidades virtual, aumentada e mista: essas três terminologias possuem diferentes conceitos, explicados por Peticov. A realidade virtual é quando uma pessoa está 100% imersa em um novo mundo que não existe. Como foi projetado por computadores, esse universo tem começo, meio e fim. Já a realidade aumentada, é como o jogo do Pokémon GO, que mapeia o mundo real, porém não permite que você interaja com os objetos virtuais sobrepostos à realidade, ou seja, se você jogar uma bola virtual contra uma parede, a bola não volta. Já a realidade mista permite uma interação maior com o mundo físico, fazendo com que você acredite que o virtual é real. Dessa forma, se você jogar a bola contra a parede, a bola volta.
Os óculos para realidade mista ou paralela, por exemplo, segundo Rodrigo Arnaut, Innovative e Technology da Esconderijo Criativo, em breve também vão ganhar um novo formato. “Esses óculos hoje são um trambolho e custam em média R$ 3 mil dólares cada. Eu acredito que além deles adaptarem o modelo para um formato de óculos normal, com a parte mecânica em lente transparente, ele vai ser de graça”. Porque “de graça”? Arnaut acredita que é por conta dos dados que vão ser facilmente rastreados e gerados o tempo inteiro pelos óculos. Dessa forma, para onde você estiver olhando e o que você consome, será rastreado e terá um valor tão alto para as empresas, que as marcas vão dar esses óculos para os seus consumidores.
A realidade mista também está implementada nos carros autônomos. Só que somada a outra tecnologia por trás disso tudo, que é a Inteligência Artificial.
• Inteligência Artificial: a consultoria McKinsey & Company estima que as gigantes da tecnologia tenham gastado em 2016 o valor estipulado entre US$ 20 e 30 bilhões com Inteligência Artificial, valor três vezes maior do que em 2013. Um exemplo disso é o Watson, plataforma da IBM que possui serviços cognitivos para negócios.
Utilizando o conceito machine learning (“aprendizado da máquina”, em português), ele aprende os novos conhecimentos que recebe, assim como a mente humana, e é capaz de fazer um processamento avançado e a recuperação da informação, a representação do conhecimento, raciocínio automatizado, entre outros serviços.
• Impressoras 3D: realidade que aos poucos está sendo inserida no mundo dos negócios e que, em breve, estará disponível na casa das pessoas, segundo Arnaut, faz parte dos planos da Nasa levar impressoras 3D em expedição para Marte. Para que os astronautas possam habitar o planeta vermelho, a ideia é utilizar as impressoras para fazer a manutenção de peças e até construir edifícios. O escritório de arquitetura Foster + Partners inclusive já foi premiado em concurso da Nasa ao fabricar empreendimentos reais, impressos em 3D, usando técnicas que poderiam ser empregadas para criar abrigos em uma missão futura a Marte.
Por enquanto, o principal desafio em nosso planeta é promover a impressão 3D com novas ligas, diferentes de plástico, como metais que possam ser mais resistentes.
• Biochip: chip de computador minúsculo que promete revolucionar o diagnóstico de doenças, segundo Ligia Zotini Mazurkiewicz, Digital Transformation Director for Latam na AAXIS, em dez anos, ele será capaz de monitorar todas as funções vitais do ser humano. “Provavelmente não vai mais ser necessário fazer exames médicos uma vez por ano, pois o biochip vai analisar e passar todas as funções vitais para o médico. Se houver alguma alteração de saúde, o chip vai fazer um telefonema ou enviar uma mensagem de texto ao seu portador informando o que está acontecendo, aconselhando que tome determinado remédio ou que vá ao hospital”, afirmou a Especialista, que acredita que o futuro da tecnologia trará maior liberdade ao ser humano.
O futuro do trabalho
Com a chegada da geração Y ao mercado de trabalho, empresas estão tendo que repensar suas culturas e crenças para receber e manter essa nova leva de profissionais.
Questões como adotar um modelo de escritório mais aberto, que proporcione a interação entre pessoas e a comunicação olho no olho, com feedbacks mais constantes, a adoção do modelo home office ou de espaços compartilhados, entre outras medidas foram algumas das ações apresentadas que visam flexibilizar as relações de trabalho.
Se preparar para o futuro desse mercado, todavia, é o maior desafio das empresas.
Pesquisas estipulam que devido ao avanço da tecnologia, 30% dos empregos vão desaparecer até 2030. Já o Da Vinci Institute projeta que 2 bilhões de postos deixarão de existir.
Dessa mesma forma, a tecnologia também vai criar novas profissões. Segundo estudo da consultoria McKinsey & Company, para cada posto de trabalho eliminado, 2,4 novos serão criados, principalmente em startups.
Sobre essa preocupação com o futuro, David Ruiz, Innovation Manager no cartão Elo, acredita que “o avanço tecnológico vai fazer com que as pessoas se dediquem a coisas mais humanas e desenvolvam as suas soft skills, como a criatividade, o senso crítico, a coordenação, a colaboração, a negociação, a inteligência emocional, a tomada de decisões e a flexibilidade cognitiva, enquanto a transformação digital acontece”.
Já as empresas, continuou o painelista, precisaram adotar o modelo de gestão horizontal, envolver os profissionais para que eles acreditem na missão proposta e fazer com que eles se sintam parte importante do processo.
Para Felipe Barreiros, CEO da Mastertech, em pesquisa realizada em 2016 com 200 empresas multinacionais e startups, questionando quais habilidades cognitivas e não cognitivas as pessoas precisam ter para serem contratadas e continuarem trabalhando naquela empresa, a resposta em mais de 50% dos resultados foi “resolução de problemas”. Os gestores e diretores entrevistados afirmaram que precisam de pessoas com ganancia de resolver problemas e que trabalhem como donos da empresa.
Além disso, Daniela Klaiman, Cofundadora da WinWin e da Unpark, pontua que estamos entrando na era do feminino. Ela afirma que antes, era preciso força para desenvolver o trabalho, e tudo o que era relacionado a força vinha de drivers masculinos. Os profissionais trabalhavam em cubículos isolados, obedeciam aos chefes cegamente, agora isso já não acontece mais, principalmente por conta da mudança de comportamento proporcionada pelo feminino. “As relações de trabalho mudaram, os espaços são mais abertos, as pessoas se conectam muito mais umas com as outras. Todo esse lado mais humano, com valores mais delicados no relacionamento entre as pessoas, tudo isso vem do feminino. E apesar da automação extrema, das máquinas substituindo pessoas, será dessa forma, desenvolvendo um ambiente de trabalho mais bacana, que poderemos nos beneficiar da tecnologia e da mudança de comportamento que vem acompanhada”, complementa Klaiman.
Initial Coin Offer e o futuro do dinheiro
Novo fenômeno que surgiu para arrecadar fundos de investimentos de entusiastas de criptomoedas para startups, o ICO é um fenômeno que aconteceu, segundo João Canhada, CEO da Foxbit, após o surgimento do bitcoin, com a finalidade de arrecadar dinheiro de interessados em investir em novos projetos, como em um evento de crowdfunding (“financiamento coletivo”, em português), e semelhando ao Initial Public Offering (IPO – “oferta pública inicial”, em português).
A diferença entre um ICO e um IPO, nesse caso, é que enquanto na IPO você precisa ter um fundo de investimento na bolsa de valores para comprar uma participação de uma empresa, a ICO tem como premissa evitar o rigoroso e regulamentado processo de captação de capital exigido por investidores de risco ou bancos.
A realidade, segundo Oliver Cunningham, Partner na KPMG, é que nunca foi tão democrático para qualquer cidadão em qualquer lugar investir dinheiro, sem qualquer fronteira. “Esse ano, inclusive, as ICOs levantaram mais dinheiro que o venture capital (nome usado para descrever todas as classes de investidores de risco – ‘capital de risco’, em português)”.
Em relação ao Brasil, só para ter uma ideia de números, o mercado nacional de bitcoin teve início em dezembro de 2014, com seis corretores, e o País negociou R$ 43 milhões. Em 2015, esse número foi para R$ 113 milhões; em 2016 subiu para R$ 364 milhões, e agora em 2017 esse número vai chegar a R$ 3 bilhões e meio até o fechamento do ano, informou Canhada. Muito desse resultado, todavia, tem sido impulsionado devido ao número transacionado de ICO, que foi iniciado em 2017. Então, é um mercado que está em constante mudança, porém não é totalmente inseguro como muitos afirmam, pois existe uma autorregulamentação para compras de bitcoin.
Dessa forma, ao realizar uma ICO, o entusiasta estará realizando a compra de um token de produtos e serviços (que é basicamente um ativo digital), feito através de um investimento em grupo coletivo, e ele te permite uma participação no resultado, no lucro deste produto que você está comprando.
Apesar das inúmeras vantagens e incertezas desse processo, a realidade é que o Brasil representa pouco espaço no volume global de investimentos em bitcoin.
Em um levantamento feito por número de empreendedores de bitcoin e blockchain no País, existem menos de 300 pessoas realizando esse investimento, ou seja, faltam empresas nesse processo. “Basicamente, tudo o que um banco oferece pode ser replicado de alguma maneira com bitcoin, só que de forma mais eficiente e transparente. Então, se alguém estiver interessado trabalhar com bitcoin, ainda tem muito espaço para empresas no setor”, finalizou Canhada.
A falta de compreensão sobre a transformação digital
Enquanto muitos ainda acreditam que digitalização significa trabalhar com paperless, ou seja, com menos papel, transformando tudo em PDF, a realidade é que realizar a transformação digital dentro das empresas vai muito além disso.
A questão toda é que a velocidade do mundo está mudando. Segundo Flávio Pripas, Diretor do Cubo, as pessoas estão absorvendo a tecnologia cada vez mais rápido, ninguém mais pede um taxi esticando o braço e colocando o dedo para frente, e essa mudança de comportamento da sociedade tem apenas três anos. Então, “quando se fala em ‘transformação digital’, é utilizar a tecnologia como meio para você entregar mais rápido, mais barato, com melhor qualidade”, comentou o Executivo.
Outra questão, é que a tecnologia transforma não só instrumentalmente a vida das pessoas, mas mentalmente também. Martha Gabriel, Consultora e Palestrante acredita que essa mudança de mentalidade acontece quando o ser humano começa a enxergar o digital como uma solução para os seus problemas, como se tudo tivesse uma resposta em uma plataforma.
Só que é preciso fazer o ecossistema funcionar, porque se existe uma transformação digital na sociedade, é preciso que os fornecedores e que os parceiros de negócio estejam também na mesma linha.
Mas um dos principais desafios da transformação digital, segundo a Consultora, é a nossa biologia. “Estou sofrendo um colapso comunicacional, e acho que vocês também, pois recebo muito mais mensagens do que consigo responder, e em vez de responder, o que eu faço é enviar mensagens para outros que também não respondem. Além disso, tiramos mais fotos do que precisamos e no final não conseguimos escolher a que ficou melhor. Então, é preciso pensar em como usar os assistentes digitais para melhorar a vida das pessoas”, pontuou.
O fato é que os processos tecnológicos são dinâmicos e cheios de complexidade, o que torna um desafio gigante para a transformação digital. Por isso, é preciso conhecer novas tecnologias, atualizar-se constantemente sobre tudo o que acontece e ser um agente de mudança, senão, com a velocidade com que o mercado evolui, você e sua empresa ficarão para trás.