Por Larissa Gregorutti
Apesar de a economia brasileira apresentar sinais de enfraquecimento a partir de 2013, foram nos dois últimos anos que a forte recessão econômica atingiu o mercado imobiliário, com a volta do desemprego, a elevação dos juros e as incertezas políticas.
Nesse período, a queda de 33% dos financiamentos (R$ 75,6 bilhões) e a desvalorização do real no preço dos imóveis trouxeram o agravamento na situação do mercado de imóveis, contaminando também a confiança do consumidor e de empresários do setor.
Todavia, embora as estatísticas fossem negativas, os últimos meses apresentaram sinais de recuperação. Segundo Ilan Goldfajn, Presidente do Banco Central, durante sua participação no evento Finanças +, que aconteceu no dia 30 de junho em São Paulo, as taxas de juros estão caindo. “A taxa Selic recuou 400 pontos base [4 pontos percentuais] nos últimos meses e há expectativa de quedas adicionais à frente. As taxas de juros reais (descontada a inflação) também recuaram de valores próximos a 9% ao ano em setembro de 2015 para a faixa de 4,2% a 5% atualmente”, informou o presidente.
Além disso, dados apresentados pela Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), apontaram que o crédito imobiliário avançou em maio e o montante de financiamentos com recursos da poupança do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) totalizou R$ 3,56 bilhões, alta de 13,8% em relação a abril e queda de 8,6% comparativamente a maio do ano passado.
Os números de unidades financiadas também apresentaram o melhor desempenho de 2017. Segundo a Abecip, em maio, 14,6 mil imóveis foram financiados nas modalidades de aquisição e construção. O resultado apresentado é superior ao de abril em 24,4%, mas, na comparação com maio de 2016, houve recuo de 21,8%.
Entretanto, não basta conhecer o atual panorama econômico para que se obtenha uma resposta sobre o futuro do mercado imobiliário brasileiro. É preciso ir além e permitir que antigos cenários abram espaço para novas ideias e novos modelos de negócio.
Esse foi o papel da RICS, que unindo forças ao Secovi-SP e a ULI, promoveu no dia 20 de junho um debate inovador sobre a Nova Era do Real Estate. Segundo Marcia Ferrari, Head of Development, Latin America da RICS, esse é um momento de “desruptura” no mundo para o segmento de Real Estate. “Hoje em dia o dinheiro não encontra mais um porto seguro. A Europa não é segura por conta de toda a história do Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia), os EUA enfrentam um momento conturbado relacionado à presidência exercida por Donald Trump, no México muito também está relacionado ao exercício do presidente dos EUA e no Brasil temos os nossos problemas e as nossas soluções. Por isso realizamos esse evento, com o propósito de expor ideias de como é possível plantar um futuro melhor para o mercado imobiliário”, pontuou Ferrari.
Desafios e oportunidades do setor
Em uma visão geral, o primeiro painel abordou como o Brasil, hoje, pode ser comparado a outros países da América Latina receptores de investimento, e quais produtos no setor imobiliário estão atraindo a atenção do investidor nesta “Nova Era”.
A Blackstone, que possui escritório em São Paulo há pouco mais de dois anos com atuação voltada para toda a América Latina, mantém-se observando o desenvolvimento de países como o Brasil, México, Argentina, Colômbia, Chile e Peru, por ser uma região, segundo Marcelo Fedak, Managing Director da empresa, com potencial de crescimento econômico e oportunidades que podem ser aproveitadas.
Todavia, é no Brasil que a Blackstone tem focado maior parte do seu investimento (atualmente em torno de três bilhões de reais aplicados em loteamentos, prédios comerciais, galpões, varejo e hotelaria), por acreditar que a diminuição da taxa de juros gera uma expectativa de retorno segura.
Fedak informou que, apesar de ser difícil prever o que vai acontecer ao longo dos anos, a empresa faz avaliações trimestrais internas de precificação de todo o seu portfólio para entender o mercado. E finalizou, “vale a regra que ativos melhores performam melhor quando o mercado está bom e quando mercado está ruim. Então o quanto você paga a mais por esse ativo é que é a mágica do negócio.”
Na visão de Roberto Perroni, CEO da Brookfield, a confiança no Brasil é sempre de longo prazo. Ele comentou que a empresa investe mais no País nos momentos ruins do que nos momentos de euforia, por acreditar que oportunidades de maior risco, também apresentam maior possibilidade de retorno.
E destacou que o grande desafio nacional hoje é saber em quanto tempo será atrasada a recuperação do mercado imobiliário. “A maioria das empresas e dos investidores apostava claramente na recuperação do Brasil, esse ano, inclusive, começou muito bem, pois alugamos grande quantidade de metros quadrados dos nossos escritórios. Porém, com a crise das gravações da JBS envolvendo o presidente Michel Temer, para a minha surpresa, dos vários potenciais que estavam negociando locação, apenas um deles desistiu”, informou Perroni.
E continua com a boa notícia: que os potenciais ocupantes não estão desistindo de fazer negócio ou adiando suas decisões, talvez porque já adiaram por muito tempo. Mas, o fato, finalizou o executivo, é que se espera que o mercado continue nesse ritmo bom de locações.
“Antes havia uma visão de que a retomada do mercado aconteceria mais rapidamente e isso encareceria o preço dos ativos. Mas a visão de agora é que temos um pouco mais de tempo para estruturar as nossas estratégias de investimento”, complementou Gabriel Tindó, Manager M&A da EY Brasil, que também fez uma comparação do mercado brasileiro com outros países da América Latina.
“Notadamente a Colômbia e o Chile são países mais estáveis, não experimentaram esse período de contração que nós tivemos, mas também não vão ter a mesma retomada que o Brasil espera ter.”. Ou seja, na visão do investidor, explicou Tindó, participar desse momento é aproveitar uma oportunidade de “upside” da retomada que o País oferece.
A mudança da demanda por imóveis
Conhecer a nova realidade que molda o consumidor do futuro foi o tema do segundo painel, que abordou, entre outros assuntos, a democratização da informação.
Segundo Fernando Libardi, Diretor da Buildings, antes a informação era centralizada nas empresas de consultoria, mas ao operar como outsourcing desse segmento foi possível trazer mais informação, mais padronização para o negócio.
“O desafio, todavia, é não perder ao longo do tempo a capacidade analítica. É preciso ser um profissional que consiga conversar com esse grande volume de dados e antecipar-se ao negócio”, informou o diretor. “Padronizar o mercado é dar um pouco mais de clareza aos processos”, concluiu.
Quando questionado sobre o que mudou nos últimos cinco anos na prestação de serviço de um avaliador, no que envolve ciência e tecnologia, João D’Avilla, MRICS e Partner da Amaral D’Avilla, comentou que o profissional tem de estar atento às novas ferramentas disponíveis no mercado, como o Automated valuation model (AVM), o GEOIMOVEL, solução imobiliária desenvolvida pela Amaral D’Avilla, entre outros. “Os avaliadores devem ter a mente aberta e realizar um laudo mais objetivo, que demande menor tempo de execução, em função da rapidez com que as informações são geradas”, informou o executivo.
Sobre a mudança de comportamento do consumidor, os últimos anos apontaram uma forte tendência em sair do uso privado de espaço para o uso mais público, segundo Danilo Igliori, CEO da DataZAP. Para ele, três fatores estão relacionados a essa mudança de padrão: a) a busca por espaços mais compactos; b) um menor uso do automóvel; c) o aumento do aluguel em relação à compra.
Além disso, o uso de ferramentas de informação é o apoio que faltava na tomada de decisão. “Utilizado no portal DataZAP, o AVM é uma forma particular de desenvolver a capacidade analítica dos preços, seja de venda, seja de aluguel. Já no portal ZAP Móveis, é possível fazer uma análise apurada de demandas sobre quem está procurando o que, onde e em que momento”, comenta Igliori.
Dessa forma, conclui, é possível identificar onde as pessoas querem morar e trabalhar, de acordo com as suas preferencias indicadas no portal, capturadas na demanda por imóvel e nas iniciativas de ofertas de locais. Então, o que as ferramentas de Big Data estão possibilitando é um olhar mais refinado e uma dose de capacidade analítica.
Sobre o que o Blockchain trará para o mercado de registro de terra no mundo, Marcus Granadeiro, MRICS e CEO do Construtivo, comentou que essa ferramenta é um software que garante toda a segurança das transações bitcoin já realizadas. Informou que o bitcoin (b minúsculo) é a moeda virtual gerenciada pelo Bitcoin (B maiúsculo), e que há um protocolo, um software que está por trás disso. E completou afirmando que o Real Estate está usando essas ferramentas para registro de informações de transações imobiliárias, em que os Blockchains públicos funcionam como uma base de dados, onde qualquer um pode registrar e acessar informações, porém, com toda a garantia e segurança que a tecnologia oferece.
Além disso, finalizou, o bitcoin (moeda de Blockchain) pode ser usado como garantia imobiliária, em que o depósito é feito por meio de uma chave-particular que autoriza o envio da moeda digital para outra pessoa. Na locação de um imóvel, por exemplo, os fundos ficam trancados em “cripto-garantia” durante o contrato de locação.
Novas maneiras de pensar o produto imobiliário
Neste painel, para falar sobre os novos produtos disponíveis no mercado local e mundial, os conferencistas abordaram a tendência de quatro segmentos: 1. Comercial; 2. Residencial; 3. Hotelaria e; 4. Retail.
Para falar sobre como o e-commerce está afetando a área de Retail, Hardy Milsch, MRICS e Country Manager da Prologis, comentou que o Brasil representa atualmente 42% das vendas de e-commerce na América Latina, com um crescimento de 11% a.a., apesar da queda da economia nos dois últimos anos. “Para os galpões logísticos é uma boa notícia, porque existe a demanda diária de estoque do e-commerce, que é três vezes maior que a demanda dos usuários de lojas”, comentou Milsch.
O efeito e-commerce para os shoppings, porém, é que eles têm de se converter em centros de divertimento, possibilitando o uso misto de teatro, cinema, academia etc.
Além disso, completou o executivo, na medida em que se está demandando maior rapidez nas entregas, está se criando um novo mercado, como o de galpões Multi Andar, que já existem no Japão e na China. “A Prologis já anunciou que irá começar a trabalhar com galpões Multi Andar, é uma tendência que já está acontecendo”, finalizou.
Sobre o mercado hoteleiro, Blanca Rodriguez, MRICS e Partner da BTCM, acredita que com o crescimento do Airbnb a nova realidade traz à tona um momento de ruptura inevitável. Ela destaca que o setor hoteleiro deve, em contrapartida, se perguntar se está oferecendo o melhor serviço e a melhor experiência possível ao cliente. “Essa é a parte humana do tema e a única maneira de competir contra esses novos modelos de negócio”, conclui Rodriguez.
No setor residencial, Alexandre Lafer Frankel, Founder e CEO da Vitacon, informou que hoje existe uma mudança social gigantesca, que número de solteiros em São Paulo é de 25 a 30% e que as famílias têm em média 1 ou 2 filhos. Isto resultou em um grande número de pessoas precisando de apartamentos menores e bem localizados, em que não necessitem se locomover mais de 20 minutos para chegar onde precisam.
Por isso, a busca por aluguel vem aumentando significativamente. “Hoje 1/3 da população de São Paulo paga aluguel. Então, o grande desafio do setor é desmobilizar, é pensar na habitação como um serviço de moradia”, conclui Frankel.
Para falar sobre coworking, Jorge Pacheco, CEO e Cofundador da PLUG, comentou como é a realidade do mercado imobiliário. “A cada esquina tem um novo coworking abrindo, mas assim como abrem em ritmo acelerado, é possível acompanhar muitas unidades fechando”, pontuou o executivo que também explicou o porquê de isso acontecer.
Primeiro: o coworking não se sustenta em espaços pequenos. É preciso ter um espaço com 2 mil m2 pelo menos.
Segundo: existe uma mudança no perfil das pessoas que estão procurando o coworking. Antes era possível encontrar muito freelancer ocupando o espaço, hoje, são em média pequenas empresas de 10 a 50 colaboradores.
Terceiro: com essa mudança de perfil, além de espaços maiores, os custos fixos são cada vez mais altos, pois, trata-se de uma locação que inclui todos os serviços de facilities, além de um excelente serviço de conexão à internet.
Quarto: mais importante que captar pessoas para o coworking é mantê-las. Para isso, é preciso oferecer um espaço que tenha flexibilidade e uma boa comunidade, ou seja, oferecer acesso a outras pessoas interessantes locadas naquele espaço, que possam, por meio do networking, trocar informações e aumentar as chances das empresas fazerem negócios.
Por fim, destacamos o bate-papo com Luiz Nelson Porto Araujo, Partner da Delta Economics, sobre os principais desafios do mercado imobiliário brasileiro.
1º Volatilidade – seja na taxa de juros, na taxa de câmbio ou na política, são questões que colocam um custo gigantesco sobre o setor da construção.
2º Poupança e investimento – o brasileiro está poupando menos de 20% do PIB, e se ele não poupa, não tem condições de investir e de adquirir novos produtos.
3º Bônus demográfico – daqui a sete anos o Brasil chegará ao ápice da demografia benéfica para desenvolvimento econômico. É quando a população com mais de 65 anos vai passar a onerar a população economicamente ativa, tornando o financiamento de produtos mais oneroso.
“É preciso mudar a questão da complacência do povo brasileiro, promovendo o desenvolvimento de novos produtos, para agregar uma massa de consumo cada vez maior.”, finalizou Araújo.