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É hora do jogo!

Os números impressionam: 80% das 500 maiores empresas utilizam a "gamificação" para motivar, engajar e aumentar a produtividade de seus funcionários e clientes, sobretudo com a Geração Y

Por Camila Biajante

O termo “gamificação” (gamification) teve sua primeira utilização no ano de 2002, quando o programador Nick Pelling aplicou em sua própria empresa de consultoria. Apesar de não ter obtido muito sucesso nessa primeira aplicação, o termo passou a ganhar força, até deslanchar em 2010.

Mas afinal, o que significa gamification? Existem várias definições para o termo. Karl Kapp, autor do livro The gamification of learning and instruction define como: “o uso de mecânicas de jogos, estética lúdica e game thinking para engajar pessoas, motivar ações, promover aprendizado e resolver problemas”. Kevin Werbach, professor da Universidade da Pensilvânia e autor do livro For the win, define como “aprender através de games”. Enquanto a Gartner Group, define como “a ampla tendência de empregar mecânicas de jogos para ambientes que não são jogos, como áreas de inovação, treinamentos empresariais, causas sociais e área da saúde”.

A “gamificação” cria modelos inteiramente novos de engajamento, visando novas comunidades de pessoas e motivando-as a alcançar objetivos que nem sequer sabem que têm. Você já fez check-in em um local? Se a reposta for sim, você provavelmente está familiarizado com o Foursquare, um exemplo precoce e inspirador de “gamificação”. Lançado em 2009, o Foursquare se distinguiu de outros serviços baseados em localização, concedendo pontos para check-in em locais como restaurantes, teatros e aeroportos.

Segundo estimativas do M2 Advisory Group, foram investidos, em 2016, US$ 2,8 bilhões em “gamificação” ao redor do mundo. Hoje, mais de um bilhão de pessoas se consideram jogadores ativos em todo o mundo. Desses, 92% são crianças com até dois anos de idade que já jogam por meio de algum dispositivo, como smartphones ou tablets dos seus pais. No Brasil, cerca de 60 milhões de brasileiros possuem um console na sua residência.

Não à toa que usar jogos para engajar colaboradores no ambiente de trabalho tem se mostrado como desafiador, pois, além de motivar a equipe na conquista de resultados, também é essencial para evitar (ou reduzir) o temido turnover, realidade que tira o sono de grande parte dos gestores.

Uma pesquisa realizada pela Gartner, em 2015, mostrou que 71% dos americanos não estão motivados no trabalho. Os dados apontaram, porém, que ao usar a “gamificação” como recurso, houve um ganho de produtividade de 80% e 90% das pessoas lembravam do conteúdo introduzido. “Eu sou um grande entusiasta dessa metodologia, pois traz resultados muito bons, em um curto espaço de tempo, e é possível ver até onde a equipe consegue chegar”, comenta Giuliano Machado, Gerente de Atendimento e Relacionamento da Mega Sistemas Corporativos.

Esse método é aplicável a qualquer segmento do mercado, e com criatividade, estudo e planejamento faz com que os colaboradores alcancem (e até superem) metas com facilidade e – acredite! – sintam-se felizes e orgulhosos por isso. Na Mega, por exemplo, a primeira experiência ocorreu durante a implantação de um projeto de gestão de conhecimento na operação. Porém, a empresa não conseguiu o engajamento necessário dos analistas da equipe para fazer o projeto decolar. “Foi então que nós resolvemos aplicar a ‘gamificação’ e o resultado foi imediato. Fizemos um jogo do Star Wars: entre para a força, e conseguimos ‘gamificar’ os processos e obter o empenho necessário dos colaboradores”, explica Machado.

A adoção da “gamificação” também ajuda a empresa a manter seus talentos. Na Mega Sistemas Corporativos, por exemplo, o turnover da área foi de apenas 3,9% desde a criação dos jogos em 2013 e contribuiu, ainda, para deixar o ambiente organizacional mais divertido.

Recrutar é um jogo

Um estudo produzido pela IBM e pela Universidade Stanford concluiu que há semelhanças entre as habilidades que o líder do futuro deve ter e as requeridas em jogos.

Mas apesar da maior cobertura da mídia nos últimos anos, a “gamificação” do processo de recrutamento não é nova. Na verdade, uma das primeiras tentativas de recrutamento gamify foi pelo Exército dos EUA em 1999 com o “exército da américa”, um jogo on-line que permitia aos jogadores explorar virtualmente o Exército em seu próprio ritmo e ajudar a determinar se o soldado correspondia às necessidades, aos interesses e às habilidades. O America’s Army ainda é usado como uma plataforma de recrutamento até hoje.

No entanto, à medida que as organizações competem por talentos de primeira linha, a “gamificação” voltou ao topo da agenda de aquisições de talentos a nível global. Seus usos, sem dúvida, expandiram-se significativamente desde 1999, com os jogos sendo usados para determinar a tolerância ao risco dos candidatos ao emprego e outras características que poderiam determinar quão bem eles vão se destacar em certos tipos de empregos, e também avaliar habilidades para papéis específicos.

Um dos principais desafios para os profissionais de RH é contextualizar suas necessidades: “Que parte do processo de recrutamento ou seleção existente realmente se beneficiaria da ‘gamificação’?”; “Em que níveis a ‘gamificação’ pode ser apropriada e agregar valor?”, as diferenças culturais e geográficas também devem ser consideradas.

A “gamificação” pode proporcionar uma visão mais profunda do candidato em um período de tempo mais curto do que ler todos os currículos. Claro que os recrutadores ainda precisarão dos currículos, mas jogos sérios podem ser uma ótima maneira de identificar rapidamente os candidatos mais aptos para entrevistas e processos de recrutamento.

“Seres humanos são muito complexos, muitas vezes nós mesmos temos dificuldades em executar nossos próprios planos. Com a “gamificação” nós usamos conhecimentos de psicologia, sociologia, antropologia, neurociência, dentre outros, para entender melhor as pessoas e ajudá-las a alcançar seus próprios objetivos. Muitas vezes, elas só precisam ser submetidas a um sistema de incentivos mais inteligente para fazerem o que precisam e querem fazer”, comenta Cesar Barbado, especialista DOT e Gerente de Gamification e Games.

“Colaboradores e executivos, como pessoas, compartilham mais objetivos do que somos capazes de perceber em um olhar superficial. O papel de uma estratégia de ‘gamificação’ de sucesso é encontrar quais são esses objetivos compartilhados pelas pessoas e pela companhia, e estabelecer uma relação de benefício mútuo entre elas”, esclarece o especialista.

De acordo com a Diretora de RH do Bradesco, Glaucimar Peticov, “Os processos de ‘gamificação’, ou jogos corporativos, sempre estiveram presentes nas soluções de aprendizado da empresa, mesmo antes da implantação da Universidade Corporativa Bradesco (Unibrad), em 2013. Naquela época já utilizávamos jogos de tabuleiros, quiz e outros formatos, inclusive em cursos presenciais com fornecedores especializados, para desenvolvimento de competências como negociação, liderança, empreendedorismo, trabalho em equipe, entre outras.”

Nos últimos anos, por meio das diversas pesquisas sobre o tema, e da evolução e velocidade das mudanças de cenário, a “gamificação” se tornou uma grande ferramenta da UniBrad no desenvolvimento das soluções de aprendizado. Além de engajar o funcionário na aquisição do conhecimento, a ferramenta se mostrou um poderoso meio de desenvolver o pensamento estratégico, ampliar a visão de negócio, otimizar o tempo de aprendizado e promover sinergia entre as áreas. 

Peticov dá dicas valiosas para as empresas que pretendem se aventurar nessa metodologia. “Para assegurarmos que a ‘gamificação’ traga resultados efetivos, precisamos adequar o jogo à estratégia do negócio e à mudança de comportamento esperada. Além disso, seguimos algumas premissas que potencializam o processo: 1. Compreender o problema a ser resolvido (comportamento a se desenvolver); 2. Identificar qual o contexto dos funcionários (jogadores); 3. Identificar a missão e estabelecer objetivos claros, que garantem o “porquê” jogar; 4. Utilizar de criatividade e ideação para construir o jogo, definindo a mecânica principal; 5. Desenhar e testar a experiência; 6. Monitorar e mensurar os resultados”, ensina.

A PwC Brasil também investe na “gamificação” quando os assuntos são recrutamento e treinamento. De acordo com Erika Braga, Gerente Sênior de Recursos Humanos da PwC, “este ano a empresa está utilizando um quiz disponível nas mídias sociais para o recrutamento de candidatos. As pessoas respondem algumas perguntas e, no final, os perfis são direcionados para as áreas mais adequadas”.

Além disso, também é utilizado a “gamificação” nas dinâmicas, com o game Jornada com a PwC, onde o candidato vivencia um dia na vida de um consultor e de um auditor, utilizando o game. “E nos treinamentos, aplicamos jogos de tabuleiro, onde falamos da nossa cultura, dos nossos negócios. Percebemos com isso maior engajamento, promovendo o desenvolvimento dos profissionais”, relata Braga.

Games x educação

Um estudo recente da Universidade de Sydney (Austrália), realizado com alunos e professores que utilizam o sistema de games educativos em seus métodos de ensino, revelou que o uso da “gamificação” aumenta em 34% o desempenho e o engajamento dos alunos no ensino da disciplina.

De acordo com o Gerente Nacional da Matific no Brasil, Dennis Szyller, aprender por meio de jogos educativos é hoje a melhor forma de aprendizagem. “A ‘gamificação’ transforma a aula em um momento de aprendizagem divertido e cheio de desafios”, afirma Szyller. “A tecnologia é um recurso imprescindível na sala de aula, à medida em que é preciso um alinhamento com as novas gerações, que se desenvolvem e aprendem desde cedo a linguagem digital”, acrescenta.

Utilizada atualmente em cerca de 300 colégios – públicos e privados – e com uma média de 50 mil jogos executados por dia, a plataforma já atende mais de cem mil alunos no ensino da matemática, que aprendem, em seu próprio ritmo, com as atividades interativas e lúdicas.

“O uso da ‘gamificação’ na educação está cada vez mais comum, especialmente com as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Mas é preciso tomar cuidado para não usar como uma forma de ‘açucarar’ propostas e conteúdos, ou seja, buscar prender a atenção de crianças com estratégias ultrapassadas e que não trazem melhores resultados pedagógicos e de desempenho. A tecnologia não pode ser apenas uma forma moderna de levar conhecimento e, sim, proporcionar uma nova forma de pensar com o objetivo de contribuir para uma melhor formação dos alunos. A ‘gamificação’ bem-feita, alinhada a essa proposta, vai trazer grandes resultados no futuro”, comenta Szyller.

Game over

Grande parte do que se lê sobre “gamificação” hoje reforça a percepção de que é possível tornar qualquer coisa divertida. Porém, há limites para o que pode ser alcançado com essa metodologia, e a tendência mais ampla requer uma correção de curso. Agora, a “gamificação” está em um curso de colisão com a realidade. E a pergunta chave é: o que acontece quando o jogo termina?

Machado, da Mega, faz um alerta: “Como tudo na vida, a ‘gamificação’ tem seu lado negativo. E é justamente nisso que estamos trabalhando atualmente. Durante o jogo e ao término dele, conseguimos conquistar uma grande performance, com colaboradores altamente motivados. A grande questão é como manter a equipe motivada sem o jogo, ao final dele”.

Outro ponto importante a ser considerado é durante a construção do jogo. Os games são compostos por milhares de elementos. Mas já notou que a maioria dos jogos possuem uma forma de pontuação (score), fases, medalhas por conquistas e barras de progresso? Esses são os principais elementos.

“É preciso seguir uma metodologia para se fazer um game. Caso o contrário, você pode piorar as coisas. Imagine que se faça um game para atingir um determinado resultado, se não prestar atenção em alguns detalhes, corre-se o risco de aparecer um game killer, que é aquele cara que na primeira semana de jogo já tem uma pontuação enorme e as pessoas não conseguem mais alcançá-lo. Isso desmotiva todo mundo. Para que isso não aconteça, o jogo deve ser dividido em fases, e se algo der errado, é possível arrumar na segunda fase. Outra coisa importante no game é dar uma meta tangível para a equipe, para realmente motivá-la”, sugere Machado.

Por falar em metas, alguns críticos afirmam que o incentivo financeiro poderia provocar o mesmo efeito da “gamificação”. Não é o que diz o especialista DOT: “Obviamente o dinheiro tem um papel bastante relevante na nossa sociedade, mas quando olhamos atentamente o ser humano, percebemos que fazer o que é certo, ou fazer o bem, tem um valor muito maior. Portanto, quando as pessoas entendem o significado das suas ações perante o sucesso da companhia, seu desenvolvimento pessoal ou sua contribuição para a sociedade, sua motivação é muito maior que uma bonificação em dinheiro. A maioria das pessoas se sentem ‘subornadas’ quando se promete apenas recompensas financeiras. Motivadores em como obter reconhecimento, a possibilidade de exercer maestria e criatividade, e experimentar uma evolução pessoal costumam ter um impacto muito mais significante.”

CASE HCor

O Hospital do Coração (HCor – Associação do Sanatório Sírio) também lançou mão da “gamificação” para capacitar os colaboradores da área de limpeza. O grande diferencial desse treinamento foi a escolha da treinadora: uma Engenheira Química. Essa Engenheira, capacitada para atender a todos os objetivos do treinamento propiciou a oportunidade de esclarecer para os profissionais de limpeza informações aprofundadas sobre todos os produtos químicos utilizados no processo de higienização do hospital. Essas informações auxiliam no uso correto desses químicos e no aumento da eficiência dos processos e da segurança dos colaboradores e, consequentemente, dos pacientes.

A fase de capacitação foi ministrada em três módulos em seis turmas diferentes. Após essa primeira fase, foi feita uma avaliação individual da retenção de conhecimento de cada colaborador. Um relatório foi apresentado, identificando os pontos fracos e fortes de cada colaborador e de cada turma.

Na segunda fase do treinamento foi realizada uma auditoria com o objetivo de verificar se as falhas de retenção de conhecimento dos colaboradores haviam sido sanadas. Para finalizar esse primeiro projeto de capacitação foi utilizada uma ferramenta de “gamificação”. Essa metodologia é inovadora no ambiente hospitalar e teve como objetivo testar os conhecimentos dos colaboradores e a fixação de conceitos que ainda não estavam consolidados após as duas primeiras fases do projeto.

O processo de construção dos jogos ocorreu a partir de uma união dos setores de Higiene, Recursos Humanos e dos consultores da empresa contratada. Todas as lideranças dos setores envolvidos testaram os jogos para simular as dificuldades existentes e aprovar seu conteúdo e metodologia. Os resultados alcançados foram positivamente surpreendentes. As turmas reagiram bem às atividades propostas.

Segundo o Diretor de Operações do HCor, Domenico Caruso, as vantagens do processo de “gamificação” foram: o desenvolvimento de um ambiente de jogo que instiga a participação dos colaboradores e a fixação de conceitos que não estavam bem consolidados na equipe.

CASE BRADESCO

Quando pensamos na “gamificação” como meio de engajamento para o protagonismo e autodesenvolvimento, o maior case do Bradesco, no qual essa ferramenta vem atingindo em escala a organização, é o b.quest.

O b.quest é uma plataforma estruturada no modelo de perguntas e respostas, que promove o autodesenvolvimento e a colaboração entre os funcionários da organização, de forma leve, divertida e motivacional.

As perguntas, divididas atualmente em oito categorias, buscam o alinhamento estratégico com o negócio e a correta abordagem a respeito das competências corporativas, dos negócios bancários, da saúde e do bem-estar, sendo utilizadas como complemento às soluções de aprendizagem já existentes.

O aplicativo permite duas modalidades de jogo: single player, em que o funcionário testa seus níveis de conhecimento individualmente e o multiplayer, que permite desafiar os colegas de trabalho sobre determinado tema, o que proporciona uma interação entre os funcionários de diversas localidades do Brasil.

O resultado tem sido expressivo: mais 689 mil perguntas respondidas individualmente e 55 mil duelos. Entre as categorias mais jogadas estão: saúde e bem-estar, e relacionamento e comunicação.

CASE DOT DIGITAL GROUP

O case mais recente foi o uso da “gamificação” para engajar os mais de cinco mil líderes de uma empresa do ramo de energia em um programa de capacitação on-line. O objetivo da estratégia era engajar as pessoas no consumo dos objetos educacionais e na colaboração para a disseminação do conhecimento. O conteúdo tratava de cinco temas distintos, e foi apresentado em pequenos módulos de consumo rápido e prático, chamados “microlearning”.

Os analistas de “gamificação” classificaram cada um dos pequenos módulos de acordo com o perfil motivacional da audiência e temas abordados. Em seguida, foi planejada a jornada do usuário por meio do conteúdo, no qual ele acumulava pontos, medalhas e níveis, na medida em que consumia os objetos educacionais ou interagia com os colegas.

Nessa estratégia, foram criadas seis categorias de pontos e medalhas, uma para cada tema do programa de capacitação, e uma para as ações de colaboração. Dessa forma, o usuário tinha autonomia para compor seu próprio currículo e acompanhar seu desempenho dentro do programa, da forma que achar mais adequada ao seu perfil profissional.

“O propósito de uma estratégia de “gamificação” é motivar as pessoas a realizar ações que ajudem as empresas a alcançar seus objetivos de negócio. Então, temos um triângulo, onde é preciso saber claramente: 1) quais são esses objetivos de negócio; 2) o que as pessoas precisam fazer para alcançar esses objetivos; e 3) como essas pessoas devem ser motivadas mediante seus perfis. Essas são as respostas fundamentais nas quais a nossa equipe de especialistas se apoia para planejar um ambiente que favoreça o desenvolvimento desses comportamentos de valor nas pessoas. A partir daí há insumos suficientes para a elaboração de uma estratégia de “gamificação”, o que envolve mecânica de regras, sistema de suporte, programação via plataforma, dados analíticos do desempenho dos usuários, entre outros”, explica Cesar Barbado, Especialista DOT e Gerente de Gamificação e Games.

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