
A convite de Fábio Martins, Head de Gerenciamento de Propriedades na JLL, a InfraFM participou de um
encontro com proprietários, síndicos, gestores e fornecedores dos prédios que administra para jogar luz sobre um tema que promete mexer profundamente com a gestão condominial nos próximos anos: a Reforma Tributária e seus impactos na cadeia de condomínios comerciais e corporativos. Logo na abertura, a empresa deixou claro o objetivo do encontro: não era um treinamento técnico, mas um espaço de informação e debate para entender como a mudança no sistema de impostos pode afetar contratos, custos, governança e responsabilidades de quem está na linha de frente da gestão de propriedades. “É muito novo, falta conhecimento”, resumiu um dos anfitriões, reforçando que o momento é de aprendizado e preparação, não de pânico nem de espera passiva.

Foto: Fábio Maceira, Fernanda Leal, Ana Lira Diniz, Fátima Monteiro, Aline Leme, Fábio Orikasa, Fernanda Battaglia, Heron Lacerda, Ana Cristina Santos, Sérgio Maeda, Daniel Moreti, Washington Fonseca e Fábio Martins. |
Para conduzir a discussão, a JLL convidou o professor, doutor, escritor e coordenador do IBMEC, Daniel Moreti, do escritório FMIS, que assumiu a “audiência” com uma provocação importante: o Brasil está saindo de um sistema tributário em colapso, marcado por complexidade excessiva, insegurança jurídica e um ambiente historicamente desfavorável ao contribuinte. Moreti lembrou que até poucos anos atrás, qualquer evento sobre tributação terminava em clima de depressão geral, sem boas notícias e com sucessivas decisões do Judiciário pendendo muito mais a favor do fisco do que das empresas. Segundo ele, a Reforma surge como uma tentativa de reorganizar esse cenário, mas traz consigo uma pergunta-chave: o modelo escolhido é, de fato, o mais adequado à realidade brasileira e à capacidade operacional do país hoje?
Ao explicar a lógica da Reforma, Moreti destacou que o Brasil está migrando de um emaranhado de cinco tributos principais sobre consumo (IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins) para um modelo de IVA dual, com dois impostos: CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), de competência da União, e IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de estados e municípios. A ideia é simplificar a tributação sobre o consumo, reduzir distorções e se aproximar de práticas adotadas em países com sistemas mais modernos. Lá fora, muitos funcionam com um único IVA; aqui, por questões federativas e disputas de poder entre União, estados e municípios, o IVA precisou ser repartido em dois. Mesmo assim, o desenho busca unificar regras, ampliar a não cumulatividade e perseguir a chamada neutralidade tributária: o imposto não deve ser o fator decisivo para onde a empresa se instala ou como organiza seu negócio, e sim a eficiência, a capacidade de execução e o potencial econômico.
Esse ponto das distorções foi bastante explorado. Moreti citou exemplos clássicos da guerra fiscal: empresas que saíram de grandes centros e migraram para municípios com alíquotas muito menores apenas para pagar menos ISS ou ICMS, ou ainda indústrias que se deslocaram para regiões distantes em função de benefícios fiscais, mesmo que isso contrariasse qualquer lógica de logística e eficiência econômica. Com a Reforma, a intenção é reduzir esse tipo de movimento artificial, aproximando o Brasil de um ambiente em que investimentos sejam guiados por competitividade real e não por “mapas de incentivos” tributários. A neutralidade, porém, não será absoluta: o país continuará precisando de regimes diferenciados para saúde, educação e regiões menos desenvolvidas, bem como manter estímulos específicos como a Zona Franca de Manaus e fundos de desenvolvimento para Norte e Nordeste.
Quando o assunto entra no universo dos condomínios, o clima no auditório muda de observação macro para impacto direto no dia a dia. Moreti foi enfático ao esclarecer que os condomínios edilícios, por natureza, não são contribuintes de IBS e CBS, pois não exercem atividade econômica com finalidade lucrativa. A taxa condominial não gera lucro a ser distribuído a sócios; o eventual superávit é revertido para o próprio condomínio e seus condôminos. No entanto, a Reforma abre uma porta importante: condomínios podem optar por ser tratados como contribuintes, entrando no chamado “clube do IVA”. Ao fazer essa opção, passam a pagar IBS e CBS, mas, em contrapartida, tudo aquilo que contratam para manutenção e operação, como serviços, insumos, estruturas – passa a gerar crédito tributário.
A discussão fica ainda mais sensível quando se olha para as chamadas receitas econômicas do condomínio, que vão muito além da taxa condominial: exploração de vagas de estacionamento, locação de áreas comuns, contratos de antenas, lojas, espaços para eventos e outras fontes de receita que, em muitos empreendimentos, representam um volume significativo. A legislação prevê que, se essas receitas econômicas ultrapassarem 20% da receita total do condomínio, ele será obrigatoriamente enquadrado no regime de IBS/CBS em relação a essa fatia econômica, mesmo que não tenha optado integralmente por entrar no clube do IVA. Nesse cenário, o condomínio será forçado a conviver com dois mundos: um ambiente tributado para as receitas econômicas e outro não tributado para as taxas condominiais, com a necessidade de manter dois controles, duas apurações e um rateio proporcional de créditos.
Moreti ressaltou que essa análise não pode ser feita de forma intuitiva ou apenas olhando a fotografia atual. Será preciso mapear com precisão a estrutura de receitas e despesas, avaliar o perfil dos ocupantes e entender se o ganho em crédito tributário compensa o ingresso no clube. Em alguns casos, especialmente em empreendimentos com muitas receitas acessórias e grandes contratos de serviços, pode fazer sentido tributar tudo e aproveitar crédito pleno, reduzindo o custo efetivo na margem. Em outros, a conta pode mostrar que é melhor ficar fora, sem crédito, mas também sem a complexidade adicional e sem aumento relevante da carga efetiva.
Ao optar pelo regime, a figura do síndico e da administradora sobe um degrau em termos de responsabilidade. Como contribuinte, o condomínio passa a ser fiscalizado por um novo comitê gestor e, em caso de erro, omissão ou fraude na apuração, autuações podem ser significativas. Em situações de má-fé comprovada, há risco inclusive de responsabilização pessoal do síndico. Isso exige uma mudança cultural na governança dos empreendimentos: a gestão deixa de ser apenas operacional e financeira e passa a envolver também visão tributária, acompanhamento jurídico constante, apoio de consultorias especializadas e sistemas robustos para garantir conformidade com as novas regras.
Um ponto que chamou a atenção do público foi a ligação direta entre tecnologia e Reforma. O Brasil, que já é referência mundial em soluções fiscais eletrônicas, caminha para implementar mecanismos como o split payment, em que o próprio sistema, no momento do pagamento de uma fatura, separa a parte do imposto e a envia diretamente ao governo, creditando apenas o líquido ao fornecedor. Além de reduzir fraudes e inadimplência, isso tem impacto direto na dinâmica de créditos: o condomínio só terá crédito garantido se o imposto relativo àquela operação for efetivamente recolhido. Se o fornecedor usar “criatividade” no fluxo de caixa e atrasar o pagamento do tributo, o crédito do tomador poderá ficar bloqueado até a regularização. Na prática, isso muda o critério de escolha de parceiros: preço e qualidade continuam importantes, mas a postura fiscal do fornecedor entra definitivamente no radar de riscos.
Sobre o calendário, o recado foi que 2026 será um ano de teste, com notas já adaptadas ao novo modelo, destaque de 1% simbólico e ajustes de sistemas, mas ainda sem cobrança cheia de IBS e CBS. É o período ideal para simular cenários, ajustar contratos, entender impactos e tomar decisões. Em 2027, a CBS entra em cena substituindo PIS e Cofins, e a partir de 2029 ISS e ICMS começam a ser gradualmente substituídos pelo IBS.
A JLL reforçou que já montou um comitê interno para tratar do tema, contratou consultoria especializada, está adaptando sistemas e pretende manter uma agenda contínua de encontros informativos para clientes e mercado, sempre reforçando que cada condomínio precisará, inevitavelmente, de análise própria e orientação específica.
Ao final, a mensagem que ficou para o público foi é que a Reforma Tributária vai mexer com a conta de todo mundo, gostando ou não. Ignorar o tema não é uma opção para quem administra patrimônios relevantes, grandes operações de Facilities e condomínios complexos. 2026 precisa ser encarado como ano de diagnóstico, não de negação. Quem se antecipar, entender o jogo, ajustar governança e tecnologia e fortalecer a relação com fornecedores confiáveis tende a sair dessa transição em vantagem competitiva. A Reforma pode até “irritar” muita gente no curto prazo, como brincaram os anfitriões na abertura, mas, para o setor condominial e de gestão de propriedades, o verdadeiro risco está em ser pego de surpresa, e não em enfrentar a mudança de frente.