Ana Paula Cassago
 

Uma fotografia do problema dos estacionamentos nas metrópoles

Artigo traz também alguns parâmetros para nortear a área de Facilities Management ao gerenciar esses espaços

Dentre os principais objetos de desejo dos brasileiros, depois da casa própria, vem a vontade de ter o seu próprio carro. Diferente dos Estados Unidos e outros lugares da Europa, no Brasil o custo de um carro torna muitas vezes a aquisição do bem um sonho a ser alcançado.

Aliado ao desejo de compra, a ineficiência do transporte público potencializa a utilização do transporte privado em grandes metrópoles, onde a procura por vagas de estacionamento é uma das mais altas do mundo. O estacionamento regulamentado em via pública custa aproximadamente R$ 2,00 (período de 2 a 4 horas), enquanto estacionamentos privados no Centro da Cidade chegam a cobrar tarifas diárias de 50 reais. Ressalta-se assim a natureza de bem complementar das vagas de estacionamento, que é uma infraestrutura necessária para todos que utilizam automóveis. Todo o processo de deslocamento é iniciado e finalizado em uma vaga de estacionamento. A indisponibilidade deste recurso está associada diretamente ao estresse de procurar um local, à perda de tempo e consequente aumento do tráfego adicional sem finalidade de veículos à procura de vagas.

A frota de automóveis na Cidade do Rio de Janeiro é de 1,894 milhões de veículos. Segundo estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, este número deve dobrar até 2020. Além do crescente número de automóveis, pesquisa realizada pelo IBGE, baseada no censo demográfico de 2010, mostra que, no Rio de Janeiro, um milhão de pessoas se deslocam frequentemente por 18 das principais cidades do estado. Em São Paulo, 1,75 milhões de pessoas circulam entre 36 municípios. A troca de cidades muitas das vezes é para trabalhar e estudar. O aumento da frota, a ineficiência do transporte público, o desejo de aquisição e incentivos fiscais do governo às indústrias automobilísticas para aumentar a arrecadação de impostos torna o estacionamento um dos grandes problemas das metrópoles brasileiras.

Adicionalmente, a disponibilidade de locais para estacionamento é uma das grandes preocupações dos profissionais na hora do processo de admissão nas empresas. Segundo os profissionais de Recursos Humanos, é comum ouvir dos candidatos às vagas de emprego perguntas como "esta posição tem direito à vaga de estacionamento?". Desta forma, "possuir" uma vaga de estacionamento é considerado pelos candidatos um diferencial na hora da contratação. Este diferencial não se limita somente ao aspecto de ter o recurso para poder estacionar o carro, mas possui também uma caracterização de poder simbólico de legitimização de poder. Por exemplo, quanto mais bem localizada é a vaga em relação à entrada do escritório, maior será o poder atribuído àquela pessoa.

A disponibilidade de locais para estacionamento serve de agente motivador para o desenvolvimento de áreas fora do eixo dos grandes centros, onde um número maior de vagas por empreendimento é ofertado. No Rio de Janeiro, por exemplo, é evidente o deslocamento de grandes empresas para a Barra da Tijuca. Para empreedimentos classe AA ou AAA, ao comparar a Barra da Tijuca com o Centro da Cidade, por exemplo, a oferta de vagas pode variar de 1 vaga oferecida a cada 46m2 na Barra da Tijuca contra 1 vaga oferecida a cada 217 m2 no Centro da Cidade (dados de pesquisa do autor realizada em 2012).

Para melhor contextualizar o cenário de ofertas de vagas de estacionamentos no Centro da Cidade do Rio de Janeiro, um estudo liderado pelo autor foi realizado durante o quarto trimestre de 2012, no qual 39 estacionamentos pertencentes à inciativa privada foram avaliados. A classificação dos estacionamentos foi estabelecida a partir do atendimento de critérios operacionais críticos. Veja abaixo os itens que foram avaliados no estudo:

  • Distância entre o escritório e o estacionamento: Quanto menor for o trajeto que o funcionário é submetido, menor são os riscos de incidentes, tais como roubos, atropelamentos e acidentes de trajeto;
  • Horário de Operação: De todos os 39 estacionamentos avaliados, somente 15.4% (6 locais), operavam em regime de 24 horas. Para atendimento às atividades de um escritório comercial, dependendo da natureza e regime do trabalho adotado, limitações em horários de operação podem impactar em alguns processos críticos da companhia;
  • Disponibilidade de Vagas: Estacionamentos com menos de 5 espaços disponíveis ou que não trabalhavam com vagas no regime  "mensalista" foram indicados no estudo como locais "sem disponibilidade de vagas". Neste contexto, 30,8% dos estacionamentos possuíam vagas disponíveis (12 estacionamentos avaliados);
  • Segurança dos locais (Security): Os estacionamentos foram avaliados por meio de entrevistas com comerciantes locais e consulta à base de dados da Polícia Militar (histórico de incidentes, tais como roubo e assalto à mão-armada). Fatores como a qualidade da iluminação e movimentação de pessoas nos locais também foram avaliados. Adicionalmente, o isolamento de alguns locais propicia algumas atividades ilícitas (vendas de drogas por exemplo). Após a avaliação dos locais, o resultado encontrado era de que 21 dos 39 estabelecimentos estavam em áreas consideradas seguras (53,8%);
  • Custos Adicionais com segurança patrimonial: Para os estacionamentos mais distantes foram considerados gastos com seguranças patrimoniais para realizar a "escolta" de funcionários até o estacionamento (saídas de funcionários após as 20h). Estes gastos devem ser considerados na classificação do custo final de cada local;
  • Licença de Operação: O local deve possuir o Alvará de Licença para Estabelecimento emitido pela Prefeitura. Segundo a legislação, este documento deve estar exposto em local visível. Durante as visitas aos locais, os estacionamentos que não possuíam o documento exposto ou não forneceram a documentação foram considerados como "irregulares". Apenas 8 dos 39 locais visitados possuiam a documentação regularizada (20,5%);
  • Segurança (Safety): Fatores importantes tais como: Extintores de incêndio, saídas de emergência, iluminação de emergência e seguro para cobertura em casos de incidentes também foram verificados e apenas os locais com as licenças de operação regularizadas cumpriram os requisitos solicitados (20,5%);
  • Valor do aluguel (mensalista): Neste requisito foram considerados os preços apenas nos estacionamentos regularizados, já que os estacionamentos "irregulares" apresentavam custos menores. Na época da realização da pesquisa, os preços encontrados variavam de R$ 230,00 até R$ 506,00. Os preços estão diretamente relacionados à localização do estacionamento. Quanto mais nobre o local, mais elevado é o valor. Fora do grupo amostral, ainda foram encontrados preços de R$ 750,00 (Rua da Assembléia), R$ 678,00 (Rua São José) e R$ 605,00 (Av. Rio Branco). Reforçamos que os valores aqui apresentados são referentes ao quarto trimestre de 2012;
  • Sistema de ocupação das vagas: Existem casos de ocupação por correspondência biunívoca (1 para 1), "vários para um" (número de carros cadastrados maior que o número de vagas), cobrança por hora ocupada, sistema de selos, etc. É importante avaliar as opções possíveis pois elas terão impacto nos custos. Nos estacionamentos avaliados, apenas 3 locais - 7.7%, foram flexíveis à respeito da ocupação das vagas, sendo que todo o restante adotava a política de 1 carro para 1 vaga (biunívoca);
  • Planos de Continuidade da Operação: Caso o estacionamento possua elevadores elétricos para deslocamento dos carros, é importante avaliar a existência de sistemas de "back-up" que permitam a retirada do carro em casos de falta de energia ou quebra de equipamentos.  Os riscos existentes devem ser analisados e comparados contra a "tolerância" à riscos da organização. No estudo específico, somente dois locais utilizavam sistemas de deslocamento vertical elétrico de veículos e ambos não possuíam sistemas alternativos de geração de energia além da concessionária local.

Diante dos dados do estudo, concluímos que poucos locais regularizados aliados à alta procura pelo serviço fortalecem um mercado no qual a margem para negociação de valores é muito restrita, reforçando a necessidade de encontrar formas diferentes de ocupar o espaço como medidas de redução de custos. Neste contexto, cabe então à área de "Facilities Management" o desafio de disponibilizar e gerenciar recursos escassos, sob a pressão constante de redução de custo. Em análise das despesas de operação de um escritório de uma multinacional de grande porte, localizada no centro do Rio de Janeiro, os gastos com estacionamento possuíam participação considerável (24%) no orçamento do escritório.

Figura 1- Linhas Orçamentárias - Participação Percentual

Fonte: Dados do autor, 2015

É fundamental então traçar alguns parâmetros que devem nortear a área de Facilities Management ao gerenciar estacionamentos, a saber:

1 - Crie, em conjunto com a área de Recursos Humanos, uma política clara de uso do Estacionamento dentro da companhia. Abaixo seguem alguns fatores a serem considerados na política:

- Deixe claro quais funcionários possuem acesso à vaga de estacionamento. Procure priorizar as pessoas com dificuldades de locomoção, alocando-as nas vagas mais próximas à entrada do escritório. Algumas companhias utilizam o nível da função ou tempo de casa do funcionário para disponibilizar o recurso. Sem entrar no mérito da decisão ser democrática ou não, deixar a regra clara para todos e estar respaldado pelo departamento de Recursos Humanos evita muitos problemas para a área de Facilities Management.

- Associe a disponibilização da vaga de estacionamento à suspensão do acesso ao vale transporte pelo funcionário. Não faz sentido a companhia disponibilizar vaga de estacionamento e pagar o benefício de vale-transporte simultaneamente.

- Limite o cadastro de apenas uma placa de automóvel por funcionário. Acreditem que existem alguns funcionários que utilizam o estacionamento das companhias nas quais trabalham como estacionamentos particulares ou complementares por não terem acesso à vaga em seus domicílios.

2 - Devido ao fato dos custos com o estacionamento ter uma participação considerável no orçamento, faça o controle de ocupação desses recursos. Entenda qual a quantidade de vagas o escritório possui (dentro do prédio ou complementares), e acompanhe como elas estão sendo efetivamente ocupadas. Em estudo realizado de Setembro de 2014 a Fevereiro de 2015, nos estacionamentos internos de uma companhia localizada no Centro da Cidade do Rio de Janeiro, foi identificada uma vacância tanto no estacionamento E1 (localizado dentro do edifício, incluídas no contrato de locação), como também no estacionamento E2 (contratado próximo ao edifício onde o escritório se localizava). Vejam os gráficos ilustrativos abaixo:

Figura 2 - Gráfico de Linhas - E1

Fonte: Dados do autor, 2014/2015

Figura 3 - Gráfico de Linhas - E2

Fonte: Dados do autor, 2014/2015

Ao analisar os gráficos de linha de ambos os estacionamentos, podemos considerar toda a área amarela como ineficiência financeira. Em nenhuma das datas analisadas foi ultrapassado o número máximo das vagas disponíveis (36 vagas para o E1 e 50 vagas para E2). A empresa estava trabalhando aquém do que poderia ser considerada uma utilização média razoável. A ineficiência financeira aproximada calculada no caso da empresa em questão estava próxima à 4 Milhões de reais ao ano.

3 - Estude formas de reduzir a ineficiência de ocupação do estacionamento. Negocie com o prédio a disponibilização do cadastro de automóveis maior que o número de vagas disponibilizadas. Considere que existem funcionários de férias, visitando clientes ou viajando que efetivamente não estarão ocupando estas vagas com seus automóveis. A disponibilização de uma vaga para cada funcionário é uma das formas mais ineficientes de gerenciamento do espaço (biunívoca). Lembre-se que a utilização de indicadores estatísticos básicos possibilita a análise da  situação real, identifica oportunidades de melhoria de redução de custos, preve o impacto das ações e mede esse impacto com uma margem de erro considerada aceitável pela área de Facilities Management.

4 - Lembre-se que o ideal é estabelecer os termos de utilização das vagas do estacionamento no momento de negociar o contrato de locação do escritório. Solicite a convenção condominial e avalie se existe alguma restrição para que você tenha as informações necessárias na hora de negociar.

5 - Caso seja necessária a contratação de vagas complementares em estacionamentos externos, fique atento aos parâmetros que devem ser considerados na avaliação que apresentamos nesse artigo. Crie uma sistemática de pontuação para te auxiliar no processo de tomada de decisão.

Alex Ferreira Gonçalves, Me., PMP, PMI-ACP, CBCP, é Mestre em Administração e Engenheiro Eletricista. Especialista em Gerenciamento de Projetos e Continuidade de Negócio, Alex já trabalhou na área de Facilities Management em grandes multinacionais como a Exxonmobil e General Electric. Atualmente trabalha como gerente regional de Property Management na CBRE e também como professor no MBA de Facilities Management da AVM. [email protected]

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