Por Léa Lobo

Metrologia, gêmos digitais e inteligência artificial deram o tom e a direção do MetroSaúde-2025, realizado nos dias 4 e 5/11 no INRAD do HCFMUSP, sob a batuta do professor Celso Scaranello, presidente-executivo da Remesp. O simpósio reuniu fabricantes, gestores, engenheiros clínicos e executivos para discutir rastreabilidade, dados e decisões em tempo real com um objetivo bem concreto: segurança do paciente.
Na manhã de 5 de novembro, mediada por Léa Lobo, Head de Conteúdo da InfraFM, quatro palestras traçaram um mapa pragmático do que já é possível fazer (e do que será inevitável adotar) quando metrologia encontra IA e gêmeos digitais nas rotinas hospitalares.
Abrindo a sessão, João Galdino, CEO e fundador da Genesis Inteligência Artificial, foi direto ao nervo: a revolução não está só em “usar IA”, mas em operar com agentes de IA treinados para processos específicos da engenharia clínica. A diferença é de escala e de acerto: enquanto sistemas genéricos dependem da “pergunta perfeita”, agentes especializados navegam normas (como a ABNT NBR ISO/IEC 17025), interpretam certificados, abrem chamados a partir de uma foto do patrimônio, consultam o histórico do equipamento e já sugerem o próximo passo, antes mesmo de o técnico sair da cadeira. O ganho? Mais eficiência (ele crava aumentos de 30% em produtividade em tarefas cotidianas), menos atrito entre áreas e um salto na rastreabilidade de laudos e calibrações. Não é ficção: Galdino citou aplicações reais como checklists automatizados, elaboração de POPs sob demanda e o embarque de “micro-agentes” em dispositivos críticos (como ventiladores pulmonares) para validar calibração, cruzar parâmetros fisiológicos e apoiar a decisão clínica, sempre preservando o protagonismo do médico. A mensagem subjacente foi estratégica: quem organizar dados e treinar agentes para os seus fluxos vai operar mais rápido, com menos custo e mais segurança jurídica e clínica.

Na sequência, Ronaldo Brito, diretor da SPI Integração de Sistemas, tirou os “gêmeos digitais” da vitrine de buzzwords e pôs no leito da UTI. Ele destravou o conceito: só é gêmeo digital quando há fluxo bidirecional, contínuo e confiável de dados entre o modelo e a realidade física; o resto é modelo 3D bonito. Do HVAC às salas limpas, da cadeia fria de vacinas ao controle ambiental, metrologia é o alicerce: sem sensores calibrados, sem incerteza medida e sem referência rastreável, não há decisão confiável. Brito percorreu casos e plataformas, de projetos biomédicos que simulam órgãos a ambientes cirúrgicos com visão estendida, e foi didático sobre o “como”: modelagem escalável, física e matemática por trás (filtros, estimadores, tratamento de ruído), arquitetura de dados e, claro, interoperabilidade. O recado para os gestores foi cristalino: o investimento em gêmeos digitais não é “software caro”, é política de evidências para reduzir risco, padronizar resultados e antecipar eventos clínicos.

O médico e gestor Francisco Castillo Novais, do HOSPCOM, trouxe o olhar do cuidado e da operação inteligente com os pés no chão do plantão. Ele elencou quatro dores que sabotam segurança e eficiência: “tempestades de alarmes” que dessensibilizam equipes, descontinuidade de dados na jornada do paciente, uso ineficiente de recursos e a burocracia que sequestra mais de 60% do tempo do médico. A resposta está em hospitais verdadeiramente conectados, capazes de integrar monitorização, prontuário eletrônico, automação e IA para suportar decisões clínicas e técnicas, da anestesia que consome menos gás sem perder precisão à monitorização para mobilização do paciente no leito à distância, para evitar lesões por pressão. Novais lembrou que o futuro já chegou em partes: telecirurgias de baixa latência, centrais de monitorização inteligentes, interoperabilidade baseada em padrões e metas de certificação que separam marketing de realidade. O ganho clínico (segurança), operacional (produtividade) e ambiental (consumo) anda junto quando os dados fluem.

Fechando o bloco, Wagner Perillo Bassinello, diretor-executivo da Perillo Engenharia, puxou a conversa para a engenharia predial — aquela infraestrutura “invisível” sem a qual nenhum hospital funciona. Falou de BIM, IoT e gêmeos digitais, mas começou pelo que quase ninguém quer encarar: maturidade de processos. Não existe gêmeo digital sem “as built” confiável, sem cadastro patrimonial íntegro, sem nuvem de pontos para modelagem e, principalmente, sem governança de dados entre projetos, obras e operação. O plano de voo sugerido é sequencial e pé-no-chão: escanear e mapear, criar tour virtual com metadados, parametrizar ativos críticos, integrar checklists e relatórios no próprio ambiente visual, modelar por disciplina (elétrica, hidráulica, gases, HVAC) e, só então, acoplar telemetria para predição. A síntese é provocativa: não falta tecnologia; falta traduzir dor técnica em linguagem de decisão para CAPEX e OPEX, com evidências que mostrem aonde cada real volta em confiabilidade e segurança do paciente.

Costurando as quatro falas, emergem três verdades incômodas e libertadoras. Primeiro: dados metrologicamente confiáveis são o começo de qualquer conversa sobre IA e segurança do paciente. Segundo: agentes de IA e gêmeos digitais não substituem gente boa; eles libertam gente boa do retrabalho para focar no que salva vidas. Terceiro: interoperabilidade não é “feature”, é política institucional. Sem ela, o hospital paga caro por ilhas brilhantes que não conversam entre si; com ela, surgem ganhos cumulativos em qualidade assistencial, disponibilidade de ativos e sustentabilidade.
Por fim, o MetroSaúde-2025 mostrou um setor em transição do discurso à prática. E aqui vai a opinião curta e grossa que o corredor comentou em voz baixa: quem atrasar a governança de dados vai continuar discutindo “o que é IA” enquanto o vizinho reduz alarmes falsos, antecipa falhas, corta consumo e melhora desfechos. Metrologia e IA juntas não são modismo; são a nova linha de base da segurança do paciente. E linha de base, convenhamos, não se discute, cumpre-se.