A conduta de alguns torcedores brasileiros na Copa do Mundo de 2018, que acontece na Rússia, reverberou rapidamente nas redes sociais e também em suas vidas profissionais. Diversos vídeos de torcedores constrangendo e assediando mulheres em solo russo foram divulgados e alguns dos protagonistas desses atos começaram a sofrer as consequências.
Na última quarta (20 de junho), Felipe Wilson, que trabalhava no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos (SP), foi demitido pela companhia aérea Latam por produzir um vídeo pedindo para estrangeiras repetirem frases de cunho sexual em português, sem que elas entendessem o que estavam dizendo. A Polícia Militar de Santa Catarina (PM-SC) instaurou processo administrativo disciplinar contra o tenente Eduardo Nunes, um dos torcedores brasileiros que constrangeram uma russa com palavras de baixo calão.
Especialistas em Direito do Trabalho entendem que comportamentos inadequados nas redes sociais podem ser motivo para a demissão do trabalhador, sejam eles no ambiente de trabalho ou não.
"As redes sociais, diferentemente do que muitos pensam, na verdade, é uma "janela aberta a tudo e a todos. Não há como buscar anonimato. Logo, aqueles que dela se utilizam, têm de ter claro as consequências que advêm do seu mau uso. Em regra, as pessoas se identificam nas redes, ou seja, dizem se são casadas (e com quem); se têm filhos (em geral postam, inclusive, fotos); e destacam onde e com quem trabalham (e o que fazem). Sendo assim, há uma estreita ligação entre aquilo que postam com a imagem da empresa", analisa o professor da Fundação Santo André (SP) Antonio Carlos Aguiar.
Em regra geral, os atos praticados pelo empregado fora do horário e do local de trabalho são atos privados e não se relacionam com o seu contrato; portanto, não podem ensejar uma demissão, por justa causa ou não.
"Nem mesmo uma prisão em flagrante autorizaria uma justa causa, pois a CLT exige o trânsito em julgado de uma condenação criminal e a reclusão do empregado. No entanto, é possível argumentar, em certas profissões e em algumas posições de destaque, quando a imagem do empregado se confunde com a imagem da empresa, como é o caso de altos executivos, atletas e jornalistas, que certos atos privados do empregado afetam a reputação da empresa e podem sim fundamentar uma justa causa. Mas, repita-se, o tema é muito polêmico", explica o professor, doutor em Direito do Trabalho e consultor jurídico da Fecomercio-CE, Eduardo Pragmácio Filho.
No caso do vídeo dos torcedores brasileiros na Rússia, Pragmácio entende que, "o episódio é interessante, pois traz à discussão o embate que existe entre, de um lado, os direitos fundamentais dos trabalhadores, dentre eles a proteção à imagem e à privacidade, e, de outro, o direito constitucionalmente garantido aos empreendedores à livre iniciativa. É preciso muito bom senso para solucionar o caso. As empresas não podem interferir na esfera privada de seus empregados; não podem interferir na opinião política, na opção religiosa nem na orientação sexual".
A advogada Marcella Mello Mazza, do Baraldi Mélega Advogados, destaca que exposições inedequadas nas redes sociais podem gerar uma demissão. "A dispensa de um funcionário faz parte do poder que a empresa tem em relação aos seus empregados; sendo assim, poderá dispensar empregado pelos motivos que julgar necessário, inclusive, por má conduta em redes sociais. Isso porque é necessário que a empresa zele por sua imagem perante a sociedade e um empregado é um representante da organização. Ainda, é necessário que o empregado saiba que o comportamento imoral nas redes sociais, que atente contra a honra do empregador, pode ser a base para que uma dispensa com justa causa ocorra", alerta.
Os especialistas afirmam que o empregado poderá tentar reverter a demissão na Justiça. "O funcionário, após a demissão, pode ingressar na Justiça. No entanto, ele terá que provar que a má conduta nas redes sociais não interferiu direta ou indiretamente na imagem da empresa. Caso contrário, as chances de reversão são pequenas", afirma o doutor em Direito do Trabalho e professor da pós-graduação da PUC-SP Ricardo Pereira de Freitas Guimarães.
Justa causa
De acordo com a lei trabalhista, a demissão por justa causa pode ocorrer em caso envolvendo as postagens em redes sociais, mas este deve ser o último recurso ou a penalidade para um caso grave. "Esta é a última alternativa de penalidade ao empregado, sendo que a dispensa por justa causa serve para uma punição de um empregado que não tem mais condições de permanecer na empresa por sua conduta, sendo que a penalidade deve ser compatível com a atitude. Orienta-se que as sanções sejam aplicadas de forma gradual. A jurisprudência é uníssona em determinar que atitudes graves devem ser tratadas com justa causa. O Poder Judiciário sempre analisa o caso concreto ao julgar uma ação de pedido de reversão de justa causa, analisando se a pena foi aplicada de maneira correta e se houve uma aplicação gradual em determinados casos", revela o advogado Ruslan Stuchi, sócio do Stuchi Advogados.
O advogado José Santana, do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, explica que a lei trabalhista não trata da dispensa por comportamento nas redes sociais, "mas regula a boa conduta no exercício das atividades laborais. A jurisprudência tem entendido que se a má conduta do funcionário atingir a imagem da empresa, pode sim ensejar até a demissão por justa causa".
Atualmente, segundo Stuchi, os juízes aceitam provas testemunhais e documentais, para casos que envolvem demissões e redes sociais. "Isso inclui os prints das telas e, caso necessário, a expedição de ofício para a rede social para confirmação dos fatos elencados".
Em casos graves e extremos, o trabalhador pode ser demitido por justa causa mesmo se tiver estabilidade, como, por exemplo, funcionárias gestantes, em período de pré-aposentadoria ou integrantes da CIPA. "Mesmo o trabalhador em aviso prévio pode ser demitido por justa causa, se denegrir a imagem do empregador antes de ser plenamente desligado", afirma o professor Freitas Guimarães.
Segundo o especialista, até mesmo os servidores públicos e militares, como o caso do PM de Santa Catarina, podem ser exonerados após uma sindicância. "O processo administrativo varia de acordo com cada órgão e o profissional tem sempre direito a se defender", alerta o professor da PUC-SP.
Ruslan Stuchi reforça que, na prática, os casos que são passíveis de justa causa de maneira direta são: furto na empresa; apresentação de atestados falsos; dirigir embriagado veículo da empresa; lesão corporal e outros que foram considerados graves, sendo que em demais atitudes deve o empregado primeiramente ser advertido; em seguida, suspenso para só depois gerar a penalidade máxima. "Em relação aos casos relacionados na Copa da Rússia, podemos dizer que as empresas de que esses torcedores são empregados deverão decidir a gravidade e sua interface com sua atividade profissional, podendo ou não adotar a justa causa".
Os empregados despedidos por justa causa têm direito somente aos seguintes diretos: saldo de salário; férias vencidas, com acréscimo de 1/3 constitucional, salário família (quando for o caso) e depósito do FGTS do mês da rescisão.