11ª Expo InfraFM
 

Os desafios do teletrabalho

Por Vanessa Cristina Ziggiatti (*)

O trabalho remoto não é uma novidade para o sistema jurídico brasileiro, porém, é fato que com o cenário pandêmico vivenciado que estendeu muito além do esperado, o olhar das empresas para esta metodologia de trabalho se transformou de possibilidade para necessidade.

Rapidamente tivemos que nos adaptar ao conceito de atuação à distância, revisitar conceitos e fluxos de trabalho e após o longo período do trabalho remoto instituído pela necessidade, atualmente este modelo ganhou a simpatia de muitos e veio para ficar.

Graças as ferramentas tecnológicas das quais dispomos hoje, a necessidade de atuação presencial em muitos segmentos de mercado realmente não se faz necessária e apresentam se, dúvidas, vantagens ao trabalhador e à empresa, mas, ao mesmo tempo que a tecnologia nos ajuda a atingir excelentes resultados com rapidez e qualidade há um ponto obscuro nas relações de trabalho para o qual devemos olhar com atenção: qual é o limite para o trabalhador estar à disposição da empresa, mesmo sem ter sua jornada controlada?

Sabemos que os limites de jornadas máximas e intervalos obrigatórios se tratam de medidas de saúde e segurança no trabalho. O trabalhador atuando em auto disciplina de sua atividade, onde o foco é na entrega e não no número de horas trabalhadas levou à situações equivocadas no sentido de que a dispensa de obrigatoriedade do pagamento de horas extras nas jornadas não controladas, como no regime de teletrabalho, eximiria o empregador da responsabilidade de se atentar ao ambiente de trabalho sob este aspecto e também à atuação do próprio trabalhador, que em muitos casos não soube administrar o tempo destinado ao trabalho, no ambiente em que também seria para o seu descanso, convivência familiar e social.

Este foi o ponto de muitas discussões sobre a validade jurídica e pertinência da adoção do teletrabalho em autodisciplina pelos trabalhadores, já o direito à desconexão do trabalho é de natureza fundamental e visa implementar, de forma concreta, o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, portanto, a questão vai muito além do pagamento de horas extras.

Em razão da crescente demanda pelo aumento da produtividade e pela exigência de qualidade dos serviços aliada à alta competitividade no mercado de trabalho, a ausência de controle pode trazer influência negativa nas relações de trabalho, especialmente no aspecto dotempo investido nas atividades profissionais executadas de forma livre, pois a máxima “trabalhe enquanto outros dormem”, de fato, tem o potencial de trazer consequências à saúde física e psíquica do trabalhador, que impactam negativamente também ao empregador.

Não por coincidência, dados levantados pelo Ministério do Trabalho demonstraram um aumento significativo de afastamentos previdenciários decorrentes de doenças ocupacionais de cunho psicológico, sendo a Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional expressamente reconhecida como uma doença de caráter ocupacional.

Atendendo à demanda de representantes dos trabalhadores e também do Judiciário trabalhista, a legislação que regulamenta o teletrabalho foi alterada, para eximir da obrigatoriedade do controle de jornada apenas os trabalhadores que recebem por tarefa ou produção, restando abrangidos pela norma geral de anotação de jornada de trabalho os
trabalhadores mensalistas que atuam remotamente, ainda que não se forma preponderante, sendo esta alteração mais significativa trazida pela Lei nº 14.442/2022.

Nesse sentido, ainda que um dos principais atrativos para o empregador tenha sido mitigado pela alteração legislativa (dispensa de controle de horas para a maioria dos empregados e consequente não pagamento de horas extras), há outras vantagens para esse sistema que persistem e assim, é um modelo que se agregou ao mercado brasileiro, já que ultrapassa a questão remuneratória.

O equilíbrio entre vida pessoal e profissional é um diferenciador na decisão de engajamento com a empresa/oportunidade profissional. Para o trabalhador, o regime remoto significa economia de tempo em locomoção e organização pessoal e para a empresa, economia com estrutura e implementação de uma cultura organização pautada na liberdade de atuação com responsabilidade, possibilitando a otimização de processos e eficácia nos resultados.

Nesse cenário, mesmo com a obrigatoriedade do controle DE jornada que agora é uma realidade para a maior parte dos teletrabalhadores, as empresas devem se atentar que o empregado deve ser compreendido como ser complexo, ou seja, que tem laços familiares, emoções, limitações (física e mental) e, sobretudo, que tem direito ao lazer e à educação, mesmo que sua atividade profissional esteja sendo desenvolvida preponderantemente fora do estabelecimento da empresa, assegurando, também aquele que atua à distância, um meio ambiente laboral saudável e adequado.

A adoção de políticas internas com a previsão de boas práticas para atuação à distância é fundamental para se atingir bons resultados, não apenas visando a performance do trabalhador, mas também, a retenção de talentos, a formação de vínculos sólidos com os membros da equipe e acima de tudo, evitar o surgimento ou agravamento de doenças relacionadas à atividade ocupacional.

O empregador deve ter em mente como boas práticas as seguintes condutas, entre outras:
• Inserir na cultura da empresa noções de etiqueta digital, sugerindo horários para atendimento
virtual da demanda pelo trabalhador;
• Orientar o empregado a estabelecer uma rotina de trabalho que lhe assegure repousos legais,
mesmo que à distância, especialmente aos mensalistas, que devem ter a jornada controlada;
• Incluir avisos como “banners” ou mensagens pelo celular relembrando a importância de fazer
pausa legal de no mínimo uma hora para almoço, beber água, ter intervalo entre jornadas,
tomar refeições longe do notebook/computador, desligar o celular corporativo nos momentos de
descanso, etc...
• Orientar sobre a importância do exercício ao direito à desconexão para realização de atividades
pessoais e familiares;
• Orientar os gestores a agendar reuniões pontuais e em horários comuns para atuação
profissional;
• Não requerer atendimento imediato de vídeo conferência sem prévio aviso
• Instruir os trabalhadores atuantes fora do estabelecimento da empresa, de maneira expressa,
clara e objetiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças, físicas e mentais e
acidentes de trabalho, preferencialmente por escrito, em documento composto por orientações
por escrito e imagens ilustrativas

O papel social da empresa na vida do trabalhador enseja responsabilidades, inclusive no âmbito jurídico e, sob esse aspecto, o desrespeito a esta “etiqueta digital” que garanta o direito à desconexão pode ser configurado até mesmo como assédio moral, já que no judiciário há vários precedentes no sentido de que permitir ou exigir trabalho sem critérios de razoabilidade ensejam pagamento de indenização pelo prejuízo causado ao trabalhador em sua esfera íntima, familiar e social.

Saúde ocupacional e razoabilidade nas relações de trabalho devem ser pautas presentes nas organizações. Vamos ficar atentos!

(*) Vanessa Cristina Ziggiatti é Sócia da área trabalhista na PK Advogados


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