A porta de saída para a crise

É preciso pensar no pós-crise, num novo modelo e não no retorno ao "normal", destaca Ailton Vendramini

Por ​Ailton Vendramini*

Há muitos anos nós fomos inseridos num grande salão através de uma porta, uma pequena porta, éramos miúdos e passamos por ela com facilidade. E, ficamos ali vagueando em zig zag de um ponto a outro desse salão, fizemos muita coisa por ali: modernizamos as instalações, criamos relacionamentos, aumentamos nosso nível de conforto, procriamos nesse ambiente, destruímos a natureza e criamos sistemas políticos viciados.

Um erro que comentemos foi nunca ter olhado para a nossa porta de entrada, com o tempo ela desapareceu das nossas vistas, ficou ali camuflada, tímida, muitos de nós passamos por perto dela e nem sequer ousamos olhar do outro lado.

Mas, numa manhã “normal” o salão começou a sofrer tremores, um horror contínuo, que ora pensávamos iria estancar e a vida voltaria ao “normal” apesar das perdas, mas, não, os sobressaltos fingiam ter passado e para nossa surpresa retornavam disfarçados em outras máscaras, um incêndio de grandes proporções e nós corríamos para o outro lado do salão, alguns pontos desse salão se tornavam tão quentes que aqueles que estavam ali eram obrigados a se realocarem, ora um vírus mutante surgia de local incerto e dizimava muitos de nós, ora um lobo solitário neurótico disparava contra inocentes e todos corriam para se  proteger, ora a fome assolava grandes áreas do salão e as pessoas atingidas tentavam migrar para áreas distantes e na maioria das vezes não eram aceitas tendo que retornar à terra natal ou morriam nesse vai e vem abestalhado.

As referências passadas que nos foram oferecidas se colocadas numa mesma bandeja são inúmeras, somente os da família dos coronas tivemos o SARS-CoV-2 esse fulano é novo identificado e apelidado de coronavírus 2019 (Covid-19) que começou em Wuhan, na China, tivemos o Mers-CoV identificado em 2012 no Oriente Médio (MERS) e tivemos o SARS-CoV identificado em 2002 como a síndrome respiratória aguda grave (SARS). Se não bastassem essas evidências tivemos a Zika que até hoje deixa um legado para muitas mães brasileiras cujos filhos sofreram sequelas, o H1N1 um subtipo do vírus Influenza, o surto de Ebola na África Ocidental, e lá atrás no período de 1918 – 1920 perdemos dezenas de milhões de pessoas para a gripe espanhola. Vamos parar por aqui!

Assim seguimos vivendo e traçamos jornadas idênticas a uma bola errante de pinball. Como as anomalias não passam, alguns começam a revisitar o passado quando algumas mentes privilegiadas opinaram sobre os sinais fracos que o futuro nos enviava, eram eles: 1. Zygmunt Bauman falecido em 2015 – Berlim havia nos ensinado o significado do termo sociedade líquida. 2. O sr. Bill Gates acostumado com as epidemias cujo aprendizado foi conseguido através de sua fundação alertou em diversas oportunidades sobre os sinais que já recebemos no passado preparando-nos para a devastação pandêmica (veja a palestra dele no TED.COM.) 3. O sr. Barak Obama já como presidente dos EUA nos falou mais ou menos assim; olha gente é preciso preparar nossas infraestruturas para uma catástrofe viral. 4. O papa Francisco que busca conectar a nova roupagem da igreja vendendo terços digitais, forçando políticos a terminarem com suas guerras, mirando no auxílio aos pobres e no perigo sobre a extinção dos recursos naturais. 5. O israelense Yuval Noah Harari através de seus livros: Sapiens: Uma breve história da humanidade, Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã, 21 Lições para o Século 21. Enfim, fizemos e fazemos ouvidos moucos.

Hoje, diante dessas irregularidades que não nos deixam retornar à situação de “normalidade” de nosso velho e conhecido salão, muitos acreditam e morreram ou morrerão acreditando que a situação anterior, o “normal” retornará, pobres seres humanos. Outros começam a olhar para a pequena porta que adentramos para chegar nesse salão e entabulam como passar por ela, agora, adultos e maiores.

Trata-se da porta para o paraíso? Não, o paraíso ou o inferno, seja lá o que nos aguarda está a alguns milênios de nós. Essa porta nos levará a um novo modo de convívio, uma melhora no contorno dos problemas das desigualdades, ao progresso sem esquecermos de sermos humanos. A verdade que poucos enxergam essa porta, muitos morrerão pensando no passado, outros estarão tão gordos que não conseguirão passar.

Para passar por essa porta haverá necessidade de foco, um novo foco, um foco desconstruído do atual, um foco que nos possibilitará ficar em um novo salão por muitos anos sob uma nova regência social. Estamos aqui nos dirigindo aos seres humanos? Sim. Somente aos seres humanos? Não. A economia e o modus operandi das empresas irão tragar diversos vetores de mudança e aquelas que resistirem sucumbirão.

O livre arbítrio pertence ao ser humano. E, se não mudarmos? Bem, neste caso será conveniente se acostumar a viver numa montanha russa e se acostumar com perdas constantes provavelmente num caminho agoniante até a extinção da raça humana. E a economia? Conforme o tempo vai passando vamos receber notícias das agências e órgãos credenciados nos fornecendo números declinantes ou mesmo desesperantes comparados com a nossa própria performance atual. Serão números dramáticos e não serão privilégio de uma única nação, passando pelos empregos, turismo até a reconfiguração do G7.

As pessoas trabalham e guardam certas reservas (quando podem) para horas duras de necessidade, exemplo, uma cirurgia de grande porte cujo custo pode desestruturar uma família. Considerando a mesma cirurgia tanto para aquele que não se preparou como para aquele que se preparou financeiramente, o pós-cirurgia será diferente para essas duas pessoas do ponto de vista financeiro. O Brasil é um país cujos governantes miram o próprio umbigo, assim, as consequências financeiras por conta da atual pandemia será muito negativa e irá nos afetar em maiores proporções se nos compararmos com outros países mais aprontados. O Brasil mal consegue ajudar sua população vulnerável mesmo destroçando o equilíbrio fiscal que vinha sendo costurado, milhões estão na informalidade e nem possuem cadastro em órgãos oficiais, somos o país da “ninguenzada”.

Pois é, é preciso pensar no pós-crise, num novo modelo e não no retorno ao “normal”’. O que queremos como sociedade brasileira e mundial? É fácil perceber que o mundo político mira numa direção e o mundo da ciência em outro, que se juntam quando interesses muito particulares coincidem.

Então, a política deve seguir a ciência? Não sei, seguir cegamente a ciência pode também nos destruir economicamente e nos matar. Então, qual a solução? Nem um, nem outro, um novo modelo, uma nova passagem, a porta que abandonamos um dia e vamos ter que passar por ela.

Sim, muitos terão que emagrecer, diminuir de tamanho, mudar o foco. Particularmente gosto de uma expressão utilizada pelo já falecido C. K. Prahalad, a pessoa velcro, ou o funcionário velcro. O velcro é aquele sistema de fixação a partir de dois tecidos. O velcro os une por um tempo determinado, ou seja, depois de um tempo ou quando nos convém podemos desgrudar as partes e tonar a grudá-las. Um colaborador poderá trabalhar num projeto e depois em outro, ou receber uma missão e depois outra missão sem se fixar a um departamento ou área de negócio.

Então, fatie sua empresa, olhe para cada parte buscando melhorá-la sem perder o todo de vista. Olhe atentamente para o comercial, a venda é o combustível da empresa e esse time com certeza precisa ser readequado (reframed).

*Ailton Vendramini, Especialista em Estratégia Empresarial e Comercialização e CEO da Dr. Zero Cost - [email protected]

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