Projeto de Biosaneamento

Brasil. País, onde dez anos após a Lei de Saneamento Básico entrar em vigor, ainda metade da população encontra-se sem acesso a saneamento básico

Por Ana Claudia Morrissy Machado 

Utopia falar em investimento por parte da União? Talvez. Mas por que não pensar na iniciativa privada tomando a frente desse assunto e criando um entorno melhor? Por que não pensar em responsabilidade social praticada de forma correta, permitindo atingir resultados que, hoje, ainda parecem tão distantes?

Quem nos fala sobre este assunto é o Engenheiro Luiz Alberto Altmann Fazio, idealizador do Projeto de Biosaneamento, da ONG TETO – www.techo.org

Como surgiu a ideia de levar o Projeto de Biosaneamento para dentro das comunidades carentes?

Mais que uma ideia, foi um processo. Sou voluntário da ONG TETO para construção de abrigos de emergência em comunidades e, desde minha primeira imersão em uma favela do Rio de Janeiro, fiquei muito sensibilizado com a situação do esgoto a céu aberto. Não que eu desconhecesse o fato, mas quando se vivencia esta situação, tudo fica muito diferente.

Quando eu quebrei essa barreira e atuei junto com o TETO, tive oportunidade de ver o problema de perto e me senti desafiado a fazer algo, só não sabia o quê e como. Nessa mesma época, participando das ações do Instituto Grajaú Anchieta, em São Paulo, fui convidado pelo presidente Roberto Loeb a integrar um projeto de saneamento dentro da comunidade, que se instalou na área do Instituto. Aceitei na hora porque já estava muito motivado a fazer algo e, lá, conheci o Guilherme Castagna, da Fluxus, que é quem detém a tecnologia do biodigestor como tratamento de esgoto. O projeto começou daí e foi evoluindo à medida que avançávamos nas decisões de como implementá-lo. Hoje, estamos com o piloto pronto e em vias de expansão não só onde o primeiro foi executado, mas, também, para outras localidades.  

Pode explicar o que é o biodigestor e como ele funciona?

O biodigestor não é uma novidade. Desde criança eu ouço meu pai falar disso como uma forma de geração de gás e energia. A infraestrutura, passível de ser executada em uma semana, é composta por 3 caixas: a de entrada que recebe os resíduos, o biodigestor propriamente dito onde esses resíduos são fermentados e gás é produzido e uma caixa de compensação em que o esgoto pré-tratado é filtrado por plantas aquática e destinado para infiltração. Basicamente, dentro do biodigestor, bactérias anaeróbicas promovem a digestão da matéria orgânica gerando como subprodutos o gás metano, esgoto em uma condição infinitamente superior a que iniciou o proceso e um lodo que é um poderoso fertilizante.

Quais são as vantagens, além do tratamento do esgoto, que este projeto traz?

Em primeiro lugar, a produção de gás metano que é devolvido às casas das famílias beneficiadas e que é usado para cocção, ajudando economicamente famílias muito pobres para as quais o custo do gás de cozinha é bem significativo. Por outro lado, a queima do gás metano ajuda a reduzir os impactos negativos relacionados ao efeito estufa, diferente do que acontece quando ele é liberado diretamente para a atmosfera. Além disso, o pocesso de digestão e filtragem da matéria orgânica elimina grande parte do contaminante, criando um efluente melhor, com muito menos impacto ambiental, que pode ser diretamente infiltrado em zonas de bananeiras que, por sua vez, conseguem evaporar grande parte dele. O que sobra é absorvido pela terra sem causar problemas para o lençol freático, o que é outra vantagem em relação às soluções tradicionais de fossas cavadas em que a água negra é totalmente absorvida pelo terreno vindo a contaminar cursos d´água e onde este esgoto, correndo a céu aberto, provoca inúmeras patogenias que levam a casos de hepatite e diarréia, doenças frequentes nessas regiões.

Você mencionou a execução de um projeto piloto, certo? Como foi?

O piloto foi feito dentro da Associação Comunitária que fica na área do Instituto Anchieta Grajaú. Escolhemos esse local pelo apoio que já temos do Instituto e por ele ter um curso de formação de mestres de obra em parceria com o SENAI de São Paulo. Aliás, foi a primeira turma de mestres de obra formada lá que foi convocada, aceitou e abraçou a idéia de implantar o biodigestor. Ao idealizar o projeto, procuramos quebrar o paradigma de que é necessário um grande sistema de tratamento de esgoto, com criação de redes etc. Nosso plano é replicar inúmeras vezes a infraestrutura que implantamos, atendendo três famílias a cada vez, ou seja, fazer uma série de pequenos tratamentos locais em contraponto aos grandes, caros e demorados sistemas tradicionais. Por esta razão, o piloto já foi realizado na escala que será replicada para outras famílias, está em funcionamento e começará a gerar gás em cerca de um mês e meio que é o tempo que o lodo leva naturalmente para se formar.

Como foi a reação dos envolvidos neste processo, digo, a comunidade atendida, as pessoas que trabalharam na execução e os apoiadores do Projeto?

A reação tem sido a melhor possível porque o esgoto é um dos problemas mais graves que as populações carentes têm no dia a dia. Ele atrai bichos, provoca doenças, é moralmente degradante e humilhante. Além disso, os moradores desses locais vêem como uma situação excepcional, uma pessoa de fora do Instituto Grajaú Anchieta se interessar e se dedicar a fazer algo por eles, pois, além do IAG, cuja presença é constante, só o TETO tinha estado lá. Por outro lado, os apoiadores também estão muito satisfeitos com os resultados que já conseguimos por entenderem que saneamento é um passivo do Brasil, país em que metade da população não tem acesso a esgoto tratado.

Onde implantamos o piloto e para onde pretendemos expandir, são comunidades extremamente desassistidas, aquelas que estão entregues à própria sorte pela ausência de atuação da União. Nesse ponto, preciso fazer uma ressalva e comentar que entendo que nem sempre o Estado poderia intervir porque algumas regiões são áreas de proteção ambiental, beiras de represas, entorno de baias (como a Baía de Guanabara) etc, locais em que nenhuma comunidade deveria estar fixada. A questão é que se o assentamento não foi impedido e as condições básicas não foram providas, os efeitos negativos estão presentes e, como resultado, temos esgoto in natura despejado seja na Baía de Guanabara, nas represas Billings e Guarapiranga ou em qualquer outro local.

O Biosaneamento é uma iniciativa que, mesmo encarada como ‘paliativa’, tem um grande potencial de diminuição da poluição em cursos d´água ou em represas, além da melhoria das condições sanitárias da população.

Sempre que você faz menção à execução do Projeto, você usa o “nós”. Quem está envolvido nele?

Estamos criando uma associação sem fins lucrativos em que os participantes atuam de forma pró-bono, doando seu tempo e seu expertise de diversas formas, mas com o único objetivo de criar meios para que esta iniciativa se expanda exponencialmente. Já contamos com o apoio de engenheiros, advogados, sanitaristas, ONGs, entre outros, mas qualquer adesão que venha a somar esforços com os nossos é muito bem-vinda. É preciso ter uma estrutura própria, bem organizada, que permita uma auditoria feita por órgãos competentes de forma a dar credibilidade e robustez ao que estamos propondo, trazer transparência de destinação de recursos dos investidores e servir como referência para mais ações sociais.

Você falou de investidores… e quais são os próximos passos?

Sim. O piloto foi financiado pela Construtora KLAR, empresa da qual sou sócio, em parceria com o Instituto Anchieta Grajaú e a Universidade de Michigan. Para a expansão, nosso alvo é apresentar o projeto para grandes empresas que já tenham uma verba destinada a investimento em responsabilidade social.

O próximo passo é aproveitar a experiência do piloto para consolidar o custo da implantação da primeira bateria de biodigestores.

 

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