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Retrofit, a arte paradoxal de mudar e preservar

Arquitetura, arte e história se encontram na tendência que começou na Europa, com a necessidade de dar nova vida a edificações históricas, tombadas como patrimônio

Por Paula Caires

O encontro da arquitetura com a arte é comum. Há até quem julgue impossível separá-las. No retrofit, ambas se unem em prol da preservação da história.

O conceito surgiu na Europa em resposta a uma necessidade prática. Por um lado, edificações com muitos anos de vida, que deixaram de atender às necessidades de sua população e cujo desgaste natural trouxe deficiências que podiam comprometê-las sob diferentes aspectos, sejam visuais, de segurança, de valorização, entre outros, ou mesmo por uma defasagem tecnológica ou construtiva que impossibilitava sua utilização. Por outro lado, tratavam-se de construções com um inestimável valor simbólico, por toda a história que representavam. Muitas delas, inclusive, tombadas como patrimônio histórico, protegidas por legislações que não permitiam a mera substituição do acervo arquitetônico.

Assim, foram criados projetos de revitalização que têm como princípio modernizar o empreendimento, mantendo sua identidade e valorizando as características históricas que o diferenciam, adaptando-o às exigências, usos e padrões atuais. A etimologia da própria palavra já resume bem seu propósito: retro, do latim, significa, “movimentar-se para trás”; e fit, do inglês, significa adaptação e/ou ajuste, ou seja, seria algo como “colocar o antigo em forma”.

Em uma sociedade em que, muitas vezes, busca-se instalar a cultura do descartável e que, por isso mesmo, necessita contrapor a efemeridade, o retrofit tem sido também uma tendência, já bastante vista no Brasil, que apresenta vantagens, como conferir novos usos e aumentar a vida útil de construções antigas; valorizar o empreendimento; ser mais sustentável no que diz respeito à possibilidade de reciclagem, à reutilização de materiais nas obras e à inserção de tecnologias nas edificações. 

Esse foi o trabalho e o desafio da acr arquitetura para o LIM 44 – Laboratório de Investigação Médica, sediado no prédio principal da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), localizado em Pinheiros. O objetivo era o de adequar sua estrutura e instalações às novas exigências tecnológicas em pesquisas médicas, focadas em especial no cérebro, com investigação em imagem, usando diferentes técnicas. Tudo isso, mantendo o estilo que marcou época e faz parte da história da cidade. “O edifício estava preservado, mas as atuais demandas técnico-científicas exigiam adequações, que necessitavam de muito cuidado para causar o mínimo de impacto em sua arquitetura original, ou seja, era preciso modernizar o antigo sem desrespeitar os aspectos histórico-culturais. Esse foi o foco do nosso projeto”, comenta Antonio Carlos Rodrigues, Sócio-diretor da acr arquitetura.

Projeto do arquiteto Ramos de Azevedo e tombado pelo patrimônio histórico em 1981, o prédio é um símbolo nas áreas da ciência e saúde da capital, implantado, em 1913, pelo dr. Arnaldo Augusto Vieira de Carvalho, como a Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, e chamado carinhosamente de “Casa de Arnaldo” pelos alunos e ex-alunos. Em 1925, tornou-se Faculdade de Medicina de São Paulo e, em 1934, foi incorporado à USP. 

Ao longo da sua história, no entanto, o edifício passou por várias obras, que alteraram sua forma original, adaptando os espaços às novas e crescentes exigências do ensino médico, que nem sempre eram compatíveis com os tipos de instalações. “O resultado é que hoje há características arquitetônicas de diferentes épocas, mas ainda se mantém a majestosa escadaria de acesso às áreas internas e amplas janelas com vista para os jardins, que criam uma atmosfera especial”, ressalta Rodrigues.

Com cerca de 170 m², a área do laboratório foi completamente revitalizada. “Era mandatório ganharmos espaços mais generosos, porém, tivemos o cuidado de demolir as alvenarias estritamente necessárias, evitando, assim, maiores interferências na edificação existente. Os demais materiais utilizados foram secos/industriais para uma obra mais ágil”, explica o outro Sócio-diretor do escritório de arquitetura, Rafael Tozo.

Para fazer as adequações necessárias à utilização do espaço, que eram muito específicas, foi essencial uma imersão no próprio negócio do cliente, entendendo suas peculiaridades. Só essa fase inicial para entendimento dos processos que seriam ali desenvolvidos até o desenvolvimento do projeto, compatibilizações e detalhamentos, durou cerca de 60 dias. Foram diversas conferências com o Prof. Dr. Helmut, acadêmico alemão responsável pelas pesquisas. “Assim, passo a passo, equipamento a equipamento, o layout foi sendo construído”, lembra Tozo. 

Graças a essa imersão, o escritório de arquitetura pôde sugerir uma solução diferenciada para o ambiente central, onde está o micrótomo (equipamento cortador de tecidos em micrômetros) e onde o processo mais “emblemático” da pesquisa é realizado. Ali foi instalada uma ampla peça volante de corian, posicionada no centro para facilitar o acesso ao equipamento, o que possibilitou também uma maior visualização de toda a metodologia. “Os cérebros humanos estudados passam por um processo de laminação e são guardados em caixas. Isso foi um desafio, porque a quantidade existente já era muito grande e com as novas instalações e investimentos, a expectativa era de crescimento rápido. São caixas muito pesadas e completamente ocupadas por lâminas de vidro. Em conjunto, esse arquivo representava sobrecarga considerável na estrutura existente, que recebeu reforço para evitar danos ao edifício. Com sua expressividade, procuramos tirar partido do conjunto expondo esse arquivo. Podemos dizer que as prateleiras de caixas, com as escadas volantes, tipo biblioteca, são elementos de arquitetura que agregaram praticidade, além de revelarem a função do laboratório”, comenta Rafael Tozo.

Outro detalhe foi a iluminação, pois o processo nesse ambiente é realizado em diversas intensidades e se instalaram vários circuitos e dimerizações, além de luminárias auxiliares de mesa. O ambiente de pesquisa também foi favorecido por novas instalações hidrossanitárias, renovação dos layouts das bancadas, armários e disposição dos equipamentos.

A funcionalidade também se expressa nos distintos usos do espaço. As áreas administrativas e o salão principal para os pesquisadores podem ser usadas como auditório e, por isso, foram instalados um projetor embutido no teto e persianas black-out nas janelas, que servem também como tela de projeção. Com o objetivo de atender às necessidades do cliente, sem comprometer os demais espaços de laboratórios, essa foi mais uma solução proposta pela arquitetura, possível graças ao profundo conhecimento dos processos internos que o espaço sediaria. 

Além de preservar um elemento histórico, conservar as amplas janelas como uma das principais soluções do retrofit foi uma forma de se aproveitar da luminosidade natural, criando um espaço claro, funcional e seguro, além de maior conforto ambiental para os usuários, que podem desfrutar da generosa área verde da edificação que serve de paisagem.

Para Tozo, o grande mérito do projeto foi atender às necessidades funcionais e processuais das pesquisas, com os grandes equipamentos e outras interferências, sem comprometimento estético. “Conseguimos um resultado equilibrado por meio de uma arquitetura de evidências, descartando onipotências estéticas que, muitas vezes, comprometem as funções”, resume ele.

Enquanto o retrofit é uma espécie de renovação sem mudança, pois traz modernização, buscando manter as características originais; o restauro vai além, pois busca restituir o imóvel a sua condição original. É um trabalho ainda mais minucioso no que se refere ao resgate histórico e à preservação de memória.

É o caso do projeto que já está desenhado para o Solar do Barão de Itapura, também conhecido como Pátio dos Leões, construção de 1883 está prestes a ter um novo capítulo da sua longa história escrito, que cujo desenrolar a leva para trás, na linha do tempo, e para o futuro, no que tange a sua nova função, totalmente voltada para sociedade: um centro de arte, cultura e lazer.

Reconhecido como patrimônio histórico e cultural pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), o Solar passará a ser não só um registro histórico, mas também um lugar de valor socioeducativo, já que seu espaço, por meio de uma ocupação consciente, será usufruído por toda a população, que será a principal beneficiária das atividades educativas museais, patrimoniais e artísticas. 

Localizado no centro de Campinas/SP, o imóvel em estilo renascentista italiano era a residência de Joaquim Policarpo Aranha, o Barão de Itapura. Após sua morte, em 1902, virou herança de sua filha Isolethe Augusta de Souza Aranha, que o doou à Diocese de Campinas, em 1921. Em 1941, passou a abrigar a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, a primeira unidade do que viria a ser a Universidade, em 1955, recebendo o título de Pontifícia, em 1972, atribuída pelo Papa Paulo VI. Com o crescimento dos cursos, o casarão se tornou pequeno. Em 2015, após a saída do curso de Direito – o último a ser transferido para o Campus I – seu novo capítulo começou a ser escrito pela PUC-Campinas.

Paralelamente a sua nova utilização, o projeto inclui o resgate de elementos artísticos integrados ao patrimônio. “A ocupação inicial do edifício, como residência, sofreu alterações no uso original para receber uma escola, a qual incorpora a seu uso auditório, biblioteca e sanitários. A proposta de restauro repensa esses usos de maneira a zelar a conservação do patrimônio, equalizando a demanda de ações carentes nesta área urbana”, explica o Vice-Reitor da Universidade e Coordenador do Projeto de Restauro, Prof. Dr. Germano Rigacci Júnior.

Assim, o projeto propõe a remoção de todos os elementos posteriores que esbarram no valor agregador à obra de arte, o edifício tombado, e o resgate pela leitura do objeto-fim de orientação ao tombamento, à leitura de um Solar. Destacam-se, então, o resgate das varandas, a construção de um anexo com sanitários e garantia de circulação vertical e acessibilidade universal, e a salvaguarda das pinturas decorativas ímpares do final do século XIX.

“O Solar do Barão de Itapura continuará sendo o Campus Central da Universidade e o restauro e a adequação de seu espaço físico às atividades de arte, cultura e lazer deixarão o espaço em harmonia com as novas tendências de requalificação do centro de Campinas, impulsionando a valorização do entorno e do conjunto de imóveis inseridos ao seu redor”, reforça Rigacci.

Equipamentos também podem ser BENEFICIADOS

Não são apenas construções históricas que podem ser retrofitadas. O processo de atualização e adequação às exigências e padrões vigentes também pode ser direcionado a equipamentos. 

No Flamboyant Shopping Center, o retrofit foi feito no sistema de ar condicionado, como parte de um projeto de eficiência energética. O sistema em funcionamento datava da inauguração do shopping, 1981, e, portanto, tornou-se um ponto de atenção para a operação, além de funcionar de forma ineficiente. 

Com o objetivo de criar uma estratégia para contrapor o difícil momento de transição e de adaptação do setor de energia elétrica no País e consequente aumento das tarifas, além da busca por conforto e segurança de seus usuários, o shopping fez parceria com uma empresa especializada em projetos de eficiência energética, a Trane. Após um estudo, que avaliou as oportunidades para tornar a planta do empreendimento mais eficiente, foi proposto um plano que previa equipamentos de alta performance e sistema de gerenciamento para otimizar a operação. 

A implantação do projeto começou pela troca dos equipamentos. Três chillers de 390 TR foram substituídos por chillers com compressores parafuso de alta eficiência. O próximo passo, já em andamento, é melhorar ainda mais a eficiência alcançada por meio de um sistema de automação, que permitirá a operação conjugada dos chillers, bombas, torres e tanque de termo acumulação.

Já com a primeira etapa do projeto concluída, em maio de 2016, houve uma economia de 36% na conta de energia da subestação que atende à área dessa central. Com a conclusão do projeto, a estimativa de retorno do investimento é de três anos.


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