Por Alexandre Pierro
Na década de 90, empresas de vários segmentos, principalmente fornecedoras da indústria, partiram em busca da ISO 9001, que estabelece padrões mínimos de qualidade. Agora, em pleno século XXI, a demanda é outra. Companhias do mundo todo estão em busca de um modelo de governança para a inovação, estabelecido pela ISO 56002.
A ISO - Organização Internacional de Padronização, é uma instituição sem fins lucrativos, fundada em 1947, com o intuito de ajudar na reconstrução das empresas devastadas pela Segunda Guerra Mundial. Ancorada nos princípios da isonomia (que em grego significa igualdade), a organização possui atualmente mais de 22 mil normas técnicas, sendo 180 normas de sistema de gestão.
Com 164 países-membro, a ISO consolidou-se como uma das mais importantes referências internacionais no que tange a normatização e modelos de gestão. E, desde 2019, quando publicou a ISO 56002, de gestão da inovação, tem dividido opiniões. Afinal, será que padronizar a inovação é bom ou ruim?
Fato é que, se na década de 90, o diferencial competitivo das empresas era a qualidade, hoje, sem sombra de dúvidas, é a sua capacidade de inovar, seja reinventando mercados atuais ou mesmo criando novos. Num mundo de profundas e complexas transformações advindas das tecnologias exponenciais, inovar se tornou um ato de sobrevivência.
Enquanto vemos startups ganhando capas de revistas e se tornarem unicórnios nos primeiros anos - ou até meses - de operação, as grandes empresas assistem a tudo, quase sempre atônitas, sem entender e muito menos conseguir reagir. É óbvio que um barquinho a motor é muito mais ágil que um transatlântico.
Diante do pânico de ficarem para trás, as gigantes criam departamentos de inovação, batizando-os de laboratórios. Seu objetivo é antecipar tendências, ouvir o cliente e criar o futuro. Contudo, uma minoria é realmente capaz de tirar os posts-its da parede.
Outras, lançam mão de programas de inovação aberta, criando estratégias de aproximação com as startups, no intuito de aprender com elas. No entanto, em muitos casos, cedem à tentação de comprá-las. Ao internalizar os barquinhos no transatlântico, a maioria fica esquecida em algum canto qualquer e acaba se contaminando com as burocracias do mundo corporativo.
Obviamente, toda regra tem a sua exceção. Laboratórios de inovação, assim como programas de inovação aberta, são extremamente importantes para permitir que as empresas inovem. O problema é que semente boa em solo ruim, não gera colheita. Para colher bons frutos da inovação, é preciso, primeiro, preparar o terreno.
E é exatamente aí que mora a proposta da ISO 56002. Diferentemente de outras normas, essa se propõe a ser um guia de boas práticas, um modelo de diretrizes e não de requisitos. Resultado de 11 anos de estudos em um comitê internacional que reuniu mais de 60 países, essa norma oferece um modelo de governança para a inovação, criando as bases para um bom sistema de gestão.
Baseada em oito pilares - abordagem por processos, liderança com foco no futuro, gestão de insights, direção estratégica, resiliência e adaptabilidade, realização de valor, cultura adaptativa e gestão das incertezas - a ISO defende que uma inovação pode ser um produto, serviço, processo, modelo, método ou a combinação de qualquer uma delas. Contudo, o conceito de inovação é caracterizado por novidade e valor. Em suma, isso significa que ideias sem a manifestação de valor não são inovações, e sim invenções.
Sendo assim, as empresas precisam trabalhar no desenvolvimento da sua estrutura de governança. É preciso definir as bases do sistema de inovação, estabelecendo onde se pretende chegar, quais ferramentas serão utilizadas e mensurando de perto cada passo dado. A qualquer sinal de desvio, é possível ajustar a rota rapidamente.
Ao implementar a ISO 56002, é necessário definir os objetivos, o propósito, a estratégia, os indicadores de desempenho e, os recursos que serão empregados na inovação - e não só os financeiros, como também os recursos de pessoas, conhecimento, infraestrutura e até mesmo de tempo. A empresa precisa estabelecer onde pretende chegar e quais esforços está disposta a empregar para alcançar suas metas.
Além disso, a norma trabalha fortemente no gerenciamento de riscos, entendendo que muitos deles, em vez de ameaças, podem representar oportunidades de inovação. Quando é identificada uma ameaça, é preparado um plano de ação contencioso. Quando é identificada uma oportunidade, ela é automaticamente direcionada para o funil de inovação, onde as ideias são classificadas e priorizadas de acordo com os interesses da empresa. Quem toma as decisões não são as pessoas, e sim os indicadores.
Na prática, não existe uma receita única para todas. Cada uma, num processo de co-criação, precisa refletir sobre seus anseios e seu apetite para atingi-los. Não existe vitória sem sacrifícios. Precisamos desmistificar a ideia de que inovação é para poucas, ou apenas para aquelas com viés tecnológico. Existem inúmeros exemplos de empresas analógicas que criam maravilhas a partir de um olhar inovador. Mas, sem governança, é impossível transformar ideias em resultados.
Portanto, padronização não quer dizer encaixotar tudo em modelos únicos, que poderiam burocratizar ou mesmo engessar a inovação. Padronizar quer dizer estabelecer requisitos mínimos, criar as bases para alavancar o poder inovador não apenas das grandes empresas, mas de todas aquelas que já entenderam que o sucesso de hoje não garante os resultados de amanhã.
Precisamos deixar para trás o modo empírico com que a inovação tem sido encarada por muitas companhias, onde algumas poucas ideias são levadas em frente e, quase que por obra do acaso, algumas são muito bem-sucedidas enquanto outras quase levam o negócio todo à ruína. Inovar a partir de um framework internacional, que foi testado e aprovado por mais de 200 empresas no mundo todo - sendo cinco só no Brasil - é o caminho mais promissor para elevarmos a nossa sociedade a um outro patamar.
Alexandre Pierro, engenheiro mecânico, físico nuclear e sócio-fundador da PALAS Consultoria.
Fotos: Divulgação.