Em virtude da Pandemia da Covid-19, muitas soluções estão sendo indicadas como combate, extermínio ou controle do Sars-CoV-2.
Baseado nas minhas especializações e na necessidade de entender melhor a tecnologia existente nos tais túneis de sanitização de pessoas, procurei buscar conhecimento sobre o assunto.
Não me preocupa o uso dos túneis e pessoas passando pelo seu interior, mas entendo que vale uma reflexão com relação à tecnologia utilizada nos produtos para sanitização das mesmas. A qualidade da água utilizada e como ela será tratada e conservada é outro ponto que merece atenção.
A questão de altíssima relevância é que pessoas passarão por esses túneis e será aspergido sobre elas produtos químicos, que para muitos podem não significar nada, mas para pessoas sensíveis pode desencadear um problema específico.
Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, através da NOTA TÉCNICA N° 38/2020/SEI/COSAN/GHCOS/DIRE3/ANVISA, de 07/05/2020, os produtos supostamente utilizados no procedimento são os mais diversos, tais como: hipoclorito de sódio, dióxido de cloro, peróxido de hidrogênio, quaternários de amônio, ozônio, entre outros.
Na mesma nota, a ANVISA afirma que não foram encontradas recomendações por parte de órgãos como a Organização Mundial da Saúde (OMS), Agência de Medicamentos e Alimentos dos EUA (FDA) ou Centro de Controle de Doenças dos EUA (CDC) sobre a desinfecção de pessoas no combate à Covid-19, na modalidade de túneis ou câmaras. Igualmente, não existe recomendação da Agência Europeia de Substâncias e Misturas Químicas (ECHA) nesse mesmo sentido.
Através da Nota Técnica 38/2020/SEI/COSAN/GHCO3/DIRE3/ANVISA, além de vários esclarecimentos, a ANVISA esclarece ainda que, quando da aprovação de produtos saneantes desinfetantes, "a Agência avalia sua aplicação em objetos e superfícies, mas não sua aplicação direta em pessoas".
Como químico, sou filiado ao Conselho Regional de Química, busquei o que nos seria orientado pelo Conselho Federal de Química (autarquia federal), e ao lado dos Conselhos Regionais de Química (CRQs), constitui o que se chama de Sistema CFQ/CRQ. Sendo assim, pesquisei e encontrei a posição por parte do Sistema CFQ/CRQs e ABIPLA sobre os equipamentos instalados em vias públicas para "descontaminar" pessoas, e um dos trechos menciona que:
"Não há estudos científicos que comprovem a eficácia do uso desse tipo de desinfecção ou de higienização para eliminar microrganismos que eventualmente possam estar depositados em roupas".
Além de informar ainda que, "diante da falta de comprovações científicas sobre a eficácia dos sistemas de desinfecção mencionados e dos riscos à saúde que podem sujeitar a população, o Sistema CFQ/CRQs informa que está convocando os Responsáveis Técnicos pelas empresas químicas envolvidas para que prestem esclarecimentos sobre os estudos que desenvolveram antes de sancionar as soluções noticiadas".
Nesta reportagem do jornal A Gazeta é mencionado que, após nota da Anvisa, Sesa retira túnel de desinfecção de hospital no Espírito Santo. Veja ainda nesta outra matéria, veiculada pelo Rondonia Agora: Secretário desautoriza túnel de desinfecção na Central de Polícia e diz que autor pode sofrer sanções penais.
Para finalizar temos a nota técnica da Sociedade Brasileira de Ozonioterapia Médica
que menciona em um de seus trechos do informe distribuído à imprensa que: a Sociedade Brasileira de Ozonioterapia Médica (SOBOM) vem sendo procurada para validar uma invenção denominada "Túnel de Ozônio". Faz-se necessário o esclarecimento sobre pontos cruciais a respeito da possibilidade de utilização da água ozonizada e do ozônio na forma gasosa no tratamento do Coronavírus.
Primeiro, porque não é possível prometer desinfetar completamente uma pessoa com uma exposição superficial durante 15 segundos, com uma concentração baixa de ozônio. Afinal, a pele humana não é uma superfície inerte, como as que são passíveis de desinfecção e até de esterilização nos processos industriais que utilizam o ozônio na forma de água ou de gás em altas concentrações. Também não se pode garantir que as roupas das pessoas que passam pelo tal túnel serão totalmente desinfectadas em tão curto período de tempo.
Segundo, porque a difusão deste tipo de informação pode ter repercussões graves, uma vez que fornece uma falsa sensação de segurança a todos aqueles que passarem pelo túnel, que poderão se considerar "livres do novo coronavírus".
Por ser químico, conhecedor de produtos químicos a serem utilizados e não conhecendo os efeitos que podem ser causados aos seres humanos, recomendo cautela nesse momento de pandemia de Covid-19, pois estamos em um momento difícil e necessitamos de maiores esclarecimentos, estudos e comprovações técnicas para validação da desinfecção de pessoas em ambientes públicos e somente aí de posse de resultados comprovados é que podemos recomendar tais procedimentos.
Charles Domingues é químico especialista em Engenharia Ambiental / Saneamento Ambiental, com 36 anos de experiência em tratamento de águas para ar condicionado. Membro da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (ABRAVA) e da Qualindoor, atualmente responde como presidente do Departamento Nacional de Tratamento de Águas (ABRAVA). Contato: [email protected]
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