Sem dúvida, uma das coisas mais simples e eficazes para prevenir doenças é a lavagem das mãos. Mas por incrível que pareça, você já percebeu quantas vezes nos surpreendemos em banheiros de aeroportos, shopping centers, universidades com a quantidade de pessoas que utilizam o banheiro e saem de lá sem lavar as mãos?
Diversos estudos demonstram a relação direta do ambiente contaminado com o incremento do risco de infecção por conta da persistência de patógenos multirresistentes em superfícies nas unidades de internação.
Em geral, a equipe de higiene é uma das equipes do hospital que oferece uma baixa taxa de retenção de conhecimento que quando associado às taxas altas de absenteísmo e turnover podem afetar os resultados de superfícies, de fato, corretamente higienizadas.
O trabalho desta equipe ocorre em todas as áreas do hospital, sua presença no ambiente do cliente é diária. O entendimento pelo colaborador dos processos deve ser bem estruturado e desenvolvido. A área de CCIH (Comissão de Controle de Infecção Hospitalar) tem uma interface direta no planejamento em conjunto com as lideranças da área. Cabe a esta área não somente a boa gestão da higiene hospitalar como a execução correta da coleta dos resíduos sólidos, da gestão do processamento e distribuição de roupas além do controle de pragas.
O relacionamento entre a área de hotelaria hospitalar com a equipe de controle de infecção hospitalar afeta positivamente toda a rotina de limpeza existente e pode resultar em métodos de trabalho mais adequados e resolutivos. Um dos principais alinhamentos de processos existente entre estas áreas está na padronização e homologação dos químicos utilizados no hospital (detergentes, desinfetantes, produtos utilizados pela lavanderia e controle de pragas) seja por meio de sua auto-gestão ou ainda quando estes serviços são terceirizados. Esta interface apresenta intersecções importantes, proporcionando um melhor controle do ambiente hospitalar na transmissão cruzada de microrganismos.
Além da homologação, deve apoiar a gestão da hotelaria na validação dos procedimentos operacionais, onde normas e rotinas devem ser aprovadas pelo CCIH e deve contemplar o passo a passo da atividade, a periodicidade, a correta diluição dos produtos até uso de equipamentos e utensílios dentro das instruções de trabalho normatizadas.
Mas mesmo quando todos os processos estão descritos e os produtos homologados, precisamos ter uma forma de validação da higiene realizada nas superfícies no cotidiano da limpeza das unidades e áreas. Checar a conformidade dos serviços prestados pode apoiar em conhecer potenciais falhas e atuar nelas como oportunidades de melhoria. Um dos instrumentos largamente utilizados nos hospitais brasileiros é o check list.
Como atividade rotineira, as lideranças imediatas da área de higiene avaliam a higienização efetuada nos principais itens existentes no ambiente listado em um documento padronizado. O objetivo prático deste instrumento está normalmente muito mais direcionado à verificação de manutenção corretiva dos itens e a apresentação estética do que em relação à forma com que o ambiente foi de fato higienizado.
Normalmente o colaborador que executou o serviço nem se encontra mais no local no momento da checagem e muitas vezes não existe um feedback de possíveis falhas existentes. Validar tecnicamente a higienização poderia melhorar ainda mais o desempenho do processo. Apesar de já existirem diversas formas de avaliação microbiológica do ambiente, como por exemplo, verificação da positividade de cultura em teste "swab" (cotonetes específicos que se destinam à coleta de amostras bacteriológicas), gel fluorescente, a análise quantitativa do ATP que está diretamente relacionada com a quantidade de células vivas no local - o processo realizado na rotina da higiene é a observação direta após a higienização do local, que objetiva não identificar patógenos.
No check list de higiene, todos os itens são tratados com a mesma importância e avalia principalmente questões estéticas após a limpeza terminal ou erros pontuais e grosseiros de atenção como, por exemplo, a presença de cabelo em piso ou em mobiliários, a arrumação do enxoval no leito, a organização (layout) dos mobiliários ou a presença de sujidades visíveis em superfícies no quarto do cliente.
Adaptado de um modelo desenvolvido por Carling (2008), Qutaishat (2012) afirma que as áreas que devem ser consideradas críticas do "ambiente do paciente" podem ser divididas em três áreas representando 18 elementos constantes na unidade de internação que devem ser alvo maior de treinamento específico. Estes itens deveriam receber maior destaque no check-list de avaliação da limpeza em relação aos demais componentes por apresentar maior risco de contato com o paciente e colaboradores e devem ser alvo constante de treinamento e reciclagens, além de poder ser escolhido como a amostra para ATP ou SWAB.
As três áreas são divididas da seguinte forma:
Objetos relacionados de contato dos pacientes
1. Chamada de Enfermagem
2. Controle Remoto
3. Mesa de refeição
4. Criado mudo
5. Telefone
6. Grade da cama
7. Poltrona do acompanhante
Superfícies de banheiro
1. Botão de descarga
2. Barras de apoio (vaso sanitário / box)
3. Chamada de enfermagem
4. Vaso sanitário
5. Paredes ao redor do banheiro
6. Porta e maçaneta do banheiro
7. Pia e torneira
8. Comadre
9. Interruptor
Superfícies no acesso ao quarto
1. Porta e maçaneta (ambos os lados)
2. Interruptor
Ainda assim, sabe-se que o treinamento técnico, por melhor que seja realizado, não implica em mudanças comportamentais. Apenas afeta o conhecimento sobre determinado assunto. O reforço do treinamento técnico na rotina de trabalho deve ser realizado pelas lideranças diretas, que necessitam dar feedback constante sobre as atividades realizadas pela equipe de higiene. Os procedimentos de trabalho durante o treinamento devem ser apresentados de forma clara e sensibilizá-la quanto à importância de seu papel na redução da taxa de infecção hospitalar e como fazê-lo.
Estes 18 itens acima relacionados, por exemplo, podem ser alvo de maior controle das atividades realizadas por suas lideranças, diminuindo a subjetividade do treinamento. Em geral, a equipe de higiene é uma das equipes que oferece uma das menores taxas de retenção de conhecimento quando comparamos o grau de conhecimento existente na data do treinamento e alguns dias após o treinamento realizado. Esta é representada por auxiliares de higiene, camareiras, auxiliares de rouparia e coletores de resíduos.
Por este motivo é necessária uma metodologia de treinamento que consiga encontrar estes colaboradores regularmente com uma forma de abordagem simples e objetiva. O trabalho desta equipe ocorre em todas as áreas do hospital, sua presença no ambiente do cliente é diária e necessita ser bem desenvolvida assim como sua liderança. A área de CCIH tem uma interface direta no planejamento destes treinamentos em conjunto com a área e muitas vezes com o apoio de fornecedores.
A dificuldade em manter uma equipe de higiene por um longo período de tempo pode também estar diretamente relacionada à sua qualidade e também pode afetar os resultados. Como esta atividade está baseada em um modelo de negócio que tem a mão de obra barata como base de sua estrutura, a remuneração e os benefícios afetam diretamente na qualidade da mão de obra.
Segundo dados na ANAHP, entre 2004 e 2012, foi possível verificar um aumento superior a 150% na taxa de absenteísmo anual nos hospitais privados. Os indicadores de rotatividade de colaboradores (turnover) acompanham este aumento, gerando efeitos em acidentes de trabalho, em hora extra e na dificuldade em qualificar a constante "nova mão de obra" mensalmente, cada vez mais escassa.
Os motivos são variados, entre eles a abertura continuada de vagas no mercado formal de trabalho no Brasil, sobretudo na construção civil, a normatização dos direitos aos empregados domésticos previstos na Emenda Constitucional n° 72 e a ascensão da classe C, buscando uma migração dos serviços operacionais para áreas administrativas. Isso faz com que o gerenciamento da área de higiene tenha que ser cada vez mais profissional.
No passado, os serviços de higiene em hospitais brasileiros tinham um escopo unicamente operacional. Independente de serem próprios ou terceirizados, ainda se encontra modelos, onde a área de higiene hospitalar está diretamente ligada à área de enfermagem e em outros modelos ligados diretamente a uma diretoria administrativa.
Muitas vezes, nestes modelos, sua liderança é meramente operacional e não possui qualquer relacionamento com as áreas de interface e não apresenta um status político que permita uma visão sistêmica do impacto de seus processos no restante do hospital e uma voz ativa em tomada de decisões que pudesse influenciar aspectos ligados a escolha de mobiliários, revestimentos, produtos químicos, equipamentos e gerenciamento de leitos. Este gestor, dentro de uma estrutura de hotelaria, deve ter condições de alinhar processos, planejar atividades com outros gestores do hospital como a gerência de enfermagem, o gestor de recursos humanos e TI, por exemplo, e atuar em conjunto com a área de CCIH, entendendo esta área como um facilitador de seus processos, educador e parceiro e nunca, um auditor.
A área de hotelaria hospitalar deve, portanto, abarcar todos os serviços não assistenciais que tenham contato direto com o cliente e deve ser representada por um gerente que responda por estes serviços. Ou seja, além da gestão de higiene, se responsabiliza pelo processamento de roupas (lavagem) e da rouparia (controle e distribuição), controle de pragas e gerenciamento de resíduos sólidos. Todos estes serviços tem uma relação direta com o controle de infecção e o gerenciamento de suas interfaces é fator crítico de sucesso na prestação dos serviços.
Marcelo Boeger é Administrador de Empresas e Mestre em Gestão da Hospitalidade pela Universidade Anhembi Morumbi e Mestre em Planejamento Ambiental pela Universidade Ibero Americana. É o atual Presidente da Sociedade Latino Americana de Hotelaria Hospitalar e coordenador e professor do curso de Especialização de Hotelaria Hospitalar do Hospital Albert Einstein e professor de MBA em Gestão da Saúde e MBA em Infecção Hospitalar (INESP). Atua como consultor pela Hospitalidade