Notícia publicada em 11 de outubro de 2019
Ao se comprometer a desenvolver um projeto para o terreiro de candomblé Tigongo Muende, o arquiteto baiano Adriano Mascarenhas não imaginava que chamaria a atenção de uma das mais prestigiadas instituições de ensino do mundo, a Universidade Harvard. O trabalho produzido pelo estúdio Sotero Arquitetos, de Adriano, com sede em Salvador/BA, integrou a programação do evento Sacred Groves & Secret Parks: Orisha Landscapes in Brazil and West Africa, na Harvard Graduate School, em Cambridge, Massachusetts.
O interesse da Harvard pelo projeto do Terreiro Tingongo Muende se coaduna com o objetivo do evento ao reunir "insights sobre a materialidade e espacialidade das práticas diaspóricas afro-religiosas, descentralizando os cânones ocidentais do conhecimento e levando a novas possibilidades de design para cidades brasileiras e da África Ocidental", de acordo com o site oficial.
Em sua apresentação, Adriano Mascarenhas destacou informações sobre todas as etapas de desenvolvimento do projeto, incluindo os processos de pesquisa sobre a história dos Ilês Orixá (terreiros de candomblé) na Bahia, sobretudo acerca da experiência e dos desafios que envolveram o trabalho. "Embora não seja profundo conhecedor da tradição do candomblé, como cidadão baiano sou consciente da indissociável relação etnográfica das práticas diaspóricas afro-religiosas, do culto ancestral dos orixás no processo civilizatório brasileiro, nos traços e no cotidiano de fé da nossa sociedade, presente no ar que se respira em Salvador. Assim, mergulhamos numa investigação intensa sobre o tema para a concepção de um terreiro de candomblé a partir de um marco zero", explica.
Para o arquiteto, o convite do Gareth Doherty, professor e coordenador do curso de Arquitetura em Harvard, proporcionou a oportunidade de uma reflexão mais aprofundada sobre a resultante do processo de concepção de um projeto singular como este do terreiro Tigongo Muende. "Normalmente, a rotina nos engole e não conseguimos apreciar os processos que nos levaram a um resultado gratificante de trabalho. Dada a especificidade deste projeto, desde o início nos envolvemos de forma apaixonada em todas as etapas e, por essa razão, recebemos com muita alegria o convite do prof. Gareth. Acredito que nos espaços desse lugar tão distinto, a ordem das coisas parecem obedecer a outros desígnios", considera.
Sobre o projeto
Motivações:
·Estado precário dos edifícios (autoconstrução com baixa qualidade construtiva);
·Necessidade de qualificar os espaços de culto;
·Necessidade de geração de alternativas de sustentabilidade econômica do terreiro e comunidade;
·Dificuldade de manutenção de um grande terreno com topografia acidentada (muitos idosos utilizam o terreiro, pouca receita pra manter) - controle dos limites.
Etapas do processo do projeto:
Espaço Religioso - Espaço Construído
·Barracão (público) - espaço das festividades públicas, organizado em 2 zonas básicas, o restrito, onde se concentram os hierarcas, os filhos de santo da casa em transe, os tronos das divindades, espaço de dança e manifestação das entidades; e o público, onde à direita, são dispostos os homens e, à esquerda, está a ala feminina:
·Cozinha Ritual (restrito) - para preparo das comidas rituais e para comunidade.
·Quartos de Santos - Ilê Orixá (restrito) - salas onde se encontram os objetos de devoção, adereços de cada entidade, orixá;
·Cômodos para membros graduados (camarinhas - ronco, sabagi) (restrito) - as clausuras onde ficam recolhidos os iniciados.
Mato (Espaço Verde - memória da África) - caracterizado por árvores, arbustos e toda sorte de ervas, constituindo um reservatório natural, de onde são recolhidos os ingredientes vegetais indispensáveis a toda pratica litúrgica.
·Árvores sagradas.
·Assentamentos de Divindades (pequenos santuários dos orixás) - Amoringanga e Tempo.
·Flora Ritual.
Espaço cotidiano
·Casas de membros do culto (casa do pai de santo, casas membros da comunidade, casa do caseiro).
·Acomodações temporárias.
Das lições apreendidas, Adriano destaca a evidência do quão potencialmente os Terreiros do século XXI constituem espaços do futuro. "Como estratégia de resiliência urbana contemporânea, na tradição do culto aos orixás, cumprem o papel ecológico de conservação das áreas verdes residuais e sobretudo de sustentabilidade social na cotidianidade de suas comunidades e cultos", diz. Para o arquiteto, "cabe na compreensão do que sabemos para o que podemos conhecer, valorizar essas frentes por meio do design, oferecendo a condição para que esses espaços sagrados atravessem os séculos respondendo aos desafios do mundo, fortalecendo sua originalidade."
Fotos: Divulgação