A dicotomia entre o ético e o não ético funciona perfeitamente em rodas de amigos, porém na realidade o tema é um pouco mais complexo. De forma geral, as empresas possuem expectativas muito polarizadas no que se refere aos preceitos éticos esperados de seus colaboradores.
Tão importante quanto conhecer as decisões feitas pelos profissionais que nos representam, é sabermos os motivos que impulsionaram suas escolhas, pois é através dessas razões que saberemos com maior precisão o quanto os valores organizacionais serão respeitados, independentemente de qualquer fator interno ou externo.
Fazer o certo nem sempre representa uma convergência de valores. Em muitos casos, indivíduos com a flexibilidade moral ampliada aderem às regras pelo medo de uma punição, por impossibilidades em operacionalizar um ato desviante ou por estarem inseridos em uma cultura ética sólida que dificulta uma naturalização da ação indevida, sem que, de fato, tenham autonomamente o desejo de agir de maneira correta. Nesses casos, a diminuição do investimento em controles internos, a falta de ceticismo na auditoria, as mudanças estruturais ou departamentais, bem como diversos outros fatores que fragilizem a companhia, podem desencadear comportamentos ilícitos que estavam confinados no colaborador, deflagrando uma motivação que já estava presente.
O oposto também pode ser verdadeiro. Pessoas que possuem alinhamento ético com a organização podem romper a linha e seguir um rumo indesejado simplesmente por não terem a oportunidade de dividir pressões vivenciadas. A cegueira momentânea por identificar caminhos mais adequados para deslocar seus conflitos ou a impossibilidade real de dar vazão à coação de um líder autoritário ou influência de grupos de trabalho, por exemplo, podem levar pessoas boas, colaboradores de boa reputação, a optarem temporariamente pelo desvio de seus caminhos éticos.
Nesses casos, não raramente, o sofrimento vivido por esse profissional é intenso no processo de tomada de decisão, porém, a falta de recursos oferecidos pela empresa para que ele caminhe na linha desejada o forçam a ter de escolher entre enfrentar ou se submeter às pressões impostas. Canais de denúncia, políticas sólidas, espaços para orientação sobre conduta ética na empresa e até mesmo um acompanhamento e escuta disponibilizado para os colaboradores podem servir de mitigadores de pressões, abrindo outras janelas que permitam tanto o compartilhamento quanto a percepção de saídas éticas para problemas vividos.
Muitos leitores devem estar se questionando neste momento e pensando que pessoas corretas enfrentam pressões e não se submetem a elas. Obviamente posicionamentos extremos, indivíduos categoricamente éticos assim como os profissionais sistematicamente predadores, existem e representam comportamentos mais rígidos em seus padrões. Porém, a realidade é que um número significativo de colaboradores responderá às influências positivas ou negativas que a organização lhes proporciona. Só para termos uma ideia, em uma análise teórica da criminologia empresarial podemos dividir os indivíduos em cinco grandes grupos de flexibilidade moral, cada um deles com percepções e motivações distintas para agir ou não agir de forma ilícita.
Dessa forma, se empresas desejarem aumentar o sucesso de suas políticas de compliance e manutenção da ética, cabe a elas conhecerem um leque de ações que as permitam se comunicar com os diversos tipos de perfis de flexibilidade moral, potencializando assim o sucesso de seus programas e otimizando custos destinados a esse tema, tendo em vista que ações direcionadas permitem uma distribuição de recursos mais estratégica e planejada.
*Antonio Carlos Hencsey é líder de prática de compliance individual da Protiviti, consultoria global especializada em finanças, tecnologia, operações, governança, risco e auditoria interna